A Praia da Paciência

Para quem não sabe, mais uma curiosidade sobre o Rio Vermelho. Naquele trecho da balaustrada, onde a av. Oceânica se encontra com a Rua da Paciência, está à praia do mesmo nome, que hoje tem uma característica muito diferente daquela dos meus tempos de criança.

Nem é preciso dizer que eu passava a maior parte do meu tempo disponível nela, fosse tomando banho, pescando ou, ainda, empinando arraias no “Capim das Freiras “... O Capim das Freiras, era aquela área gramada em frente à Pedra dos Pássaros . Todo aquele trecho em frente à balaustrada, é claro, era bem diverso de hoje, que apresenta apenas um restinho que resistiu ao tempo e que não vai demorar em sumir...

Como todos já sabem, o nosso bairro era local de veraneio. Havia algumas casinhas que só eram utilizadas mesmo nos meses de férias. Era tempo dos bondes. Foi também quando começaram a aparecer os carros e a cachorrada corria-lhes atrás para morder-lhes as rodas traseiras, provavelmente pensando que se tratasse de monstros, até pelo barulho que faziam...! .

Com o passar dos anos, o mar foi depositando sempre mais areia na praia, tornando-a alta, e fofa, escondendo a sapata do paredão, portanto, modificando o lugar. No meu tempo de criança, as ondas iam bater no paredão de pedra, nos dias de mar revolto e quando elas eram maiores e a praia mais baixa.

As ondas chegavam até o paredão. Depois do impacto, alcançavam a avenida, ultrapassando a balaustrada, causando uma chuva de água salgada, molhando os poucos carros que passavam e pessoas que se aventurassem a caminhar pelo passeio...

Quem não estivesse disposto a se molhar, ou passava pelo outro lado, ou dava o tempo necessário entre uma onda ou outra e passavam correndo. Algumas pessoas passavam de guarda-chuvas abertos... .É claro que isto só acontecia quando a maré estava alta. Nem é preciso dizer que a criançada, inclusive eu, que sempre estava no meio, adorava tomar o banho de água salgada, esperando o chuveiro das ondas no passeio da avenida... Outro detalhe, é que na base do paredão havia (ainda há - ficou escondida) uma grande e saliente sapata sobre a qual ficávamos à espera das ondas de março quando elas iam de encontro ao muro de pedra. Também, só acontecia com a maré cheia. Nós mergulhávamos pouco antes de as ondas quebrarem e se baterem no paredão, “furando a onda”. No recuo, nós íamos juntos com elas, e a areia aparecia novamente... Era uma brincadeira bastante perigosa , mas emocionante .Mas, menino tem juízo ? Do mesmo jeito que a maré depositou mais areia na praia, fez o mesmo com o “taboleiro”, que tinha muito mais pedras do que areia, mas sempre foi um local muito apreciado para um bom banho, principalmente com a maré cheia, e até para uma pescaria, quando ela começava a baixar... Bem, a praia era assim. Alguém por aí deve se lembrar... Deve haver muitas pessoas com saudades daqueles tempos ...

Para não parar por aqui, vou contar mais um pouquinho:

Falando ainda do mesmo “pedaço”, havia o armazém do Apolinário que, salvo engano de minha parte, ostentava o nome de” Parque Oceânico”, ficava onde hoje está uma vidraçaria e um novo restaurante, bem na esquina. Ali era o ponto do bonde. A curiosidade é que o Seu Apolinário, naquele tempo, vendia gasolina. ! ... Em frente do armazém, na esquina do outro lado, ele tinha uma bomba daquelas que era preciso bombear manualmente a quantidade de litros que o cliente desejava comprar, que era visível no tubo de vidro graduado, e depois, por gravidade, fazia o combustível, bem amarelinho, descer para o tanque dos carros. É evidente que demorava para parar um carro. Demorava, sim, para passar um calhambeque, pois eles eram raros. Quando um parava para abastecer, então o espanhol pegava a chave do cadeado da bomba, ia até ela calmamente e fazia o fornecimento. Primeiro bombeava, digamos 25 litros, para o depósito de vidro e depois “soltava”. Não existia apenas a bomba do seu Apolinário. Lá no passeio, pertinho do morro e justo no início da escada que dá acesso à praia, havia uma outra que não me lembro a quem pertencia. Só não esqueci que eram amarelinhas e de contar o fato para quem nunca chegou a imaginar que naquele pedacinho as coisas foram assim.

Na praia, desaguava o rio que corria a céu aberto, na Vila Matos, mas que passava embutido por baixo da avenida, e mais um outro que provinha, provavelmente, do que é hoje a Avenida Garibaldi.

Por Sarnelli 
30.04.2009

A praia da Paciência

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8 Comentários
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  1. uma aula de história isso!
    Alias, nos relatos sobre o Rio Vermelho que ja pesquisei. fala-se pouco ou quase nada deste trecho do bairro. E é em minha o´pinião umas das praias mais bonitas da cidade.

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  2. É verdade Luisa, esse texto de Sarnelli, resgata algumas memórias importantes para compor a história do bairro que está completando 500 anos. Lembro muito bem do Capim das Freiras que hoje ninguém mais fala. Do armazém da esquina me recordo de Gradim e também não tinha idéia que em frente funcionava uma bomba de gasolina. Outra lembrança que tenho ainda dessa área é de uma ruína de um convento ( acho que era um convento, porque tinha fragmentos de sepulturas ) onde hoje tem a Chaves.Acredito que Sarnelli com a memória privilegiada que tem, pode ter mais alguma informação sobre isso .

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  3. Que bom nesse domingo de chuva passa por esse blog. Duas belas postagens que revelam historias do Rio Vermelho, essa de Sarnelli, sobre a praia da Paciência e a de bt sobre a festa de Iemanjá. Que turma boa essa!

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  4. Carmela, amigos e amigas . Não tenho certeza de que a ruína a que se refere era de um convento. Nunca ouvi falar de um por estas bandas. Havia, na esquina da Rua Bartolomeu de Gusmão, sim, uma ruína, porém não me interessava saber o que tinha sido antes. Minha cabeça estava ligada nas gudes, nas arraias , nas pescarias e no mar... Hoje, naquele espaço, há algo do governo,e me parece que já foi até um posto de saúde. Em todo aquele lado, até a linha do bonde, o terreno estava desocupado e era , na verdade, um grande buraco tomado pelo mato ... Funcionou, sim, a bomba do Apolinário e aquela outra que você, Carmela, se lembra . O Gradin (eu o conheço , mas faz muito tempo que não o vejo ) , veio posteriormente a Apolinário , que depois de uma vida de muitos sacrifícios , foi terminar os seus dias, com a mulher e a filha , na Espanha. Mas deixou um filho aqui, o Manolo, que , pelo que eu imagino , seria o pai do jornalista Escariz ,que faleceu a bordo de um navio de cruzeiros , vítima uma infecção intestinal.
    Só me lembrei do sobrenome de Apolinário, após relacionar um fato com o outro . Ele tinha uma esposa chamada Maria, uma filha de nome Helena e um filho conhecido por Manolo. As nossas famílias eram amigas de todas as horas, dias, semanas e o tempo todo. Na rua Bartolomeu de Gusmão, morou, por muito tempo, um artista plástico cujo nome não me vem à mente , mas um de vocês poderá se lembrar. Na outra extremidade da Bartolomeu de Gusmão , uma das ruas em que morei , havia uma sinaleira para o controle do tráfego dos bondes , porque só havia uma linha naquele trecho , para os dois sentidos. Bem em frente à sinaleira , morava o artista plástico Mario Cravo que ali mesmo tinha a sua oficina.

    Aliás, os Gradins , foram , na realidade, dois : um tio e depois um sobrinho.

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  5. No "meu tempo" a maré já não batia na balaustrada chegando até a pista. Acho que a declividade do banco de areia foi se acentuando com o tempo impedindo que a água chegasse até lá. É bom lembrar também que essa praia foi cenário do filme "Luar sobre parador", uma produção americana com Sônia Braga. Lembro do burburinho que as filmagens provocaram no Rio Vermelho e passeio de La Braga, com os cabelos esvoaçantes, pelas areias da Praia da Paciência.

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  6. É verdade,"bt" . Foi assim que aconteceu !Hoje , as ondas fortes não têm mais condições de chegar ao paredão. Durante décadas, a areia que foi sendo depositada na praia acentuou por demais o declive ... " No meu tempo " , mesmo ondas calmas ,chegavam a encostar suavemente na base do paredão e nós , com a maré cheia, quase não tínhamos praia ...
    A filmagem de " Luar sob Parador " é algo bem mais recente . Causou bastantes transtornos para nós, por causa da interdição de boa parte da Av.Oceânica , que, para quem não sabe, não se lembra ou se esqueceu, se chamou, um dia . av. Getúlio Vargas.

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  7. Bartolo, tens sido um verdadeiro professor de história! E fico feliz em ver que as pessoas daí de Salvador estão conseguindo perceber isto e valorizar teus relatos!
    Eu, mesmo sendo gaúcha, estou me tornando cada vez mais viciada em acompanhar o que escreves sobre esta tua terra linda!
    Parabéns, amigo!Continua a escrever e encantar!

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  8. Muito bom mesmo saber dessas coisas.Fico imaginando o Rio Vermelho nesse tempo, quando carro era uma raridade e hoje são tantos que quase não se consegue sair do lugar.

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