Ainda sobre Caramuru

Por Ubaldo Porto Filho

MAIS RESPEITO AO RIO VERMELHO

“Agressão à história de Salvador”, esse foi o título do artigo desrespeitoso com a história do Rio Vermelho e com seus moradores, que foram debochadamente chamados de “notáveis”. O autor do artigo tendencioso e irresponsável foi o senhor Tasso Franco, que o publicou no prestigioso jornal Tribuna da Bahia, edição de 13 de julho do corrente ano.

A bem da verdade, o articulista não entende absolutamente nada sobre a verdadeira história da ligação de Diogo Álvares Corrêa, o Caramuru, com o bairro do Rio Vermelho. E, o que é pior, além de mentir tentou, de má fé, jogar honrados representantes do Rio Vermelho contra o Prefeito da nossa cidade. Tudo por causa das comemorações dos 500 anos do aparecimento de Diogo Álvares Corrêa no Rio Vermelho e da construção do Memorial Caramuru no sítio da sua inquestionável chegada. Caramuru tem tudo a ver com o Rio Vermelho, pois foi onde ocorreu, em 1509, o episódiodo célebre naufrágio da embarcação em que trabalhava. Em livros de vários historiadores renomados, dentre eles Alberto Silva e Thales de Azevedo, encontramos o registro de que a caravela de Diogo Álvares Corrêa soçobrou nos recifes, ou, conforme a nomenclatura dos historiadores do passado, nos escolhos de Mairaquiquiig, vocábulo donde derivou o topônimo Mariquita. No livro “História da Bahia”, o consagrado professor e historiador Luis Henrique Dias Tavares, também se refere ao náufrago como tendo se abrigado “nos baixios ao norte da Barra, lugar que os tupinambás denominavam Mairaquiquiig” (pág. 44,2ª edição, 1963).

E para ser bem preciso, o célebre encontro do náufrago com os índios tupinambás foi na Pedra da Concha, uma ilhota rochosa situada na Enseada da Mariquita, ao lado do Morro do Conselho e defronte à foz do Camorogipe. Qualquer pesquisador honesto, que se dê ao trabalho de consultar “História da Fundação da Bahia”, do emérito professor baiano Pedro Calmon – um dos mais respeitados historiadores do Brasil, que inclusive era reitor da Universidade do Brasil e membro da Academia Brasileira de Letras, tendo sido seu presidente em 1945 – encontrará na página 25 desse livro a foto da Pedra da Concha, feita, a pedido do renomado autor, por um fotógrafo baiano que ficaria famoso, Leão Rozemberg. Essa obra, uma preciosidade histórica, foi publicada em 1949, ano do IV Centenário de Salvador, sendo que um exemplar se encontra franqueado aos pesquisadores na Biblioteca Ruy Barbosa, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a centenária Casa da Memória da Bahia. Um outro professor, Aurélio Ângelo de Souza – primeiro pesquisador da história do Rio Vermelho –, foi quem divulgou que a origem do nome do bairro provinha do tupi Camoroipe(que evoluiu para Camorogipe e outras formas de se grafar o nome do rio), que significava Rio Vermelho. Ele também foi outro avalista da chegada de Caramuru na Enseada Mairaquiquiig, ou seja, na Mariquita, que fica no Rio Vermelho. É de sua autoria o livro “Nas Bandas do Rio Vermelho’, publicado em 1961, primeiro trabalho dedicado ao resgate da memória do bairro que foi o primeiro balneário turístico da Bahia, com ciclo áureo de meio século, de 1880 a 1930.

No compêndio “Uma História da Cidade da Bahia”, do antropólogo Antônio Risério, publicado em 2000 quando o autor integrava o Conselho Estadual de Cultura, vamos encontrar, na página 58, uma outra foto da Pedra da Concha, na Praia de Mairaquiquiig.

Pertencente ao acervo de Edgar de Cerqueira Falcão, constitui-se em mais um atestado comprobatório do exato local onde Diogo Álvares Corrêa surgiu à vista dos tupinambás do Rio Vermelho.

No livro “Naquele Tempo Feliz”, do conceituado jornalista José Augusto Berbert de Castro, publicado em 1990, ele inseriu na página 163, o seguinte registro referente ao Rio Vermelho: “Acho, por exemplo, que aquelas casas do lado do mar devem ser demolidas e no local construir-se uma praça com linda vista para a praia onde Caramuru naufragou, atualmente escondida. Seria uma atração turística e um ponto histórico”.Berbert de Castro se referiu à fileira de casas que tem início no palacete que hoje abriga o Teatro Sesi (antiga residência do jurista Carlos Gonçalves Ribeiro) e termina no imóvel onde residiu o jurista Odilon Santos, na foz do Camorogipe, que atualmente abriga a Pollysom, loja de acessórios para veículos. Na verdade, a abertura da visão para o mar de Caramuru, sugerida pelo escritor, que representava a ampliação do espaço da Praça Colombo, chegou a ser planejada pelo prefeito Clériston Andrade com o objetivo de eliminar o gargalo da Rua Borges dos Reis, visando desafogar o tráfego de veículos.Iria também, evidentemente, valorizar a vista para o mar, especialmente para a Pedra da Concha.

Porém, custaria o sacrifício de importantes casarões, um deles a residência do médico Mário Augusto Castro Lima, que mais tarde seria ministro da Saúde no governo de João Figueiredo. Talvez por causa do impacto que causaria na opinião pública a demolição coletiva desses verdadeiros monumentos arquitetônicos, o projeto urbanístico não saiu do papel.
Voltando ao artigo do senhor Tasso Franco, o seu conteúdo representou uma inominável agressão à história do Rio Vermelho. Passando-se por dono da verdade histórica, ele tenta vender aos soteropolitanos uma versão totalmente falsa. Mas o lance mais audacioso foi a insurgência contra uma plêiade de historiadores da mais alta credibilidade e respeitabilidade, especialmente o mestre Pedro Calmon, catedrático de História do Brasil e autor de dezenas de livros sobre a história brasileira e baiana.


Enfim, não se sabe com quais propósitos o referido senhor tenta subtrair do Rio Vermelho o privilégio histórico de ter sido escolhido pelo destino como cenário da chegada de Diogo Álvares Corrêa e do nascimento do personagem Caramuru. Mas não vai conseguir sedimentar a fraude, pois a mentira não encontra respaldo perante fatos registrados e consagrados pelos verdadeiros historiadores. E a história de Caramuru no Rio Vermelho foi feita por eles e neles os atuais pesquisadores, estudiosos e escritores sérios se ancoram.

A Pedra da Concha é a joia da coroa, pois foi o local do tiro de espingarda que gerou o nome do batismo tupi do descobridor do Rio Vermelho – Caramuru, que significa “homem do fogo; filho do trovão ou dragão saindo do mar”. É também irrefutável que o Caramuru morou durante algum tempo na aldeia que os tupinambás tinham nas imediações da Mariquita.

No Rio Vermelho, o futuro Patriarca da Bahia aprendeu a língua dos nativos e se transformou no pioneiro da miscigenação racial baiana, com o nascimento do seu primeiro filho ou primeiros filhos mamelucos.

Foi onde também implantou um entreposto do comércio de escambo do pau-brasil com os aventureiros franceses. Por essa razão, a Mariquita ficou conhecida como Aldeia dos Franceses. A toponímia Aldeia dos Franceses perdurou até 1552, quando a Câmara Municipal de Salvador solicitou a doação de um território para a criação de gado. Conforme a petição,a sesmaria foi requerida com a seguinte delimitação pela costa: “... da Aldeia dos Franceses até o Rio Joanes...”. No deferimento do governador-geral, Thomé de Souza,houve algumas alterações, como a supressão do nome Aldeia dos Franceses e o aparecimento da toponímia Rio Vermelho, uma referência ao rio que desaguava na Aldeia dos Franceses,que foi tomado como ponto de medição.Somente após o período que passou com os índios do Rio Vermelho (não se sabe se por um,dois, três ou mais anos), foi que Caramuru se transferiu para a enseada junto à barra da Baía de Todos os Santos, atual Porto da Barra. Finalmente, fixou-se na área do atual Largo da Graça, onde edificou uma aldeia “euro-tupinambá”, residindo aí com filhos,índios da sua confiança e alguns europeus. Foi onde também viveu com Catharina Paraguassú, índia oriunda da Ilha de Itaparica ou da região da foz do Rio Paraguaçu.Essa sim, nada tem a ver com o Rio Vermelho, onde talvez nunca tenha posto os pés.

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7 Comentários
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  1. Não é a primeira vez que Tasso tenta, a seu modo e desprovido de conhecimento e técnica adequada,"reescrever" a história. Sem fundamento e sem sequer citar provas em contrário (apenas na base do "achismo") contesta notórios historiadores e tenta desqualificar livros e informações fundamentadas sobre fatos históricos ligados à Bahia. Eta vocaçãozinha frustada de historiador de meia tijela !
    JORGINHO RAMOS

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  2. Esse artigo foi tão agressivo e pessoal quanto o publicado por Tasso Franco. Se ficou no ar uma ponta de sarcasmo quando o jornalista fala dos " notaveis" do Rio Vermelho, no texto de Ubaldo fica clara a tentativa de agredir quando é empregada a palavra " articulista " para adjetivar Tasso Franco . Na minha opinião, essa não é a postura de quem está vestido da verdade

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  3. O Moura parece não saber o sentido das palavras. Ele mostra-se sensibilizado porque Tasso Franco foi chamado de "articulista". Trata-se de pessoa (jornalista ou não) que escreve artigos, com alguma periodicidade, em jornais. Independentemente de ser um notável jornalista, Tasso pisa na bola quando tenta ser "historiador". Contesta sem provar, só pelo gosto da polêmica.
    JORGINHO RAMOS

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  4. No fim da palestra realizada por Ubaldo ontem na Biblioteca Juracy Magalhães Jr. questionei Ubaldo no que ele se baseava para afirmar con tanta convicção que Caramuru tenha naufragado aqui nas bandas do Rio Vermelho e se escondido exatamente na Pedra da Concha. Ele voltou a usar os argumentos do presente artigo, só que ao meu ver não basta a afirmação de historiadores, por mais renomados que sejam, não é suficiente para dar credibilidade a essa versão. Tembem não é o fato de Pedro Calmon ter mandado um fotógrafo tirar a foto da Pedra da Concha para se concluir que foi lá que Caramuru se escondeu. Indício mais consistente da estadia de Caramuru no rio Vermelho é o fato daqui ter sido um entreposto de comércio com os franceses e era justasmente com eles (os franceses) que Caramuru negociava o pau-brasil. Note-se que os portugueses, após as expedições de Américo Vespúcio de 1501 e 1503, só voltaram a aparecer por aqui lá por 1525 quando Caramuru jás estava morando na Barra-Graça. Outra coisa que Ubaldo cita ,sem nenhuma comprovação, é que Caramuru Caramuru significaria em Tupi, filho do fogo e neto do trovão recebeu esse nome porque atirou num pássaro, Henrique Dias Tavares, por exemplo contesta essa versão afirmando que o apelido deve-se à semelhança do náufrago com um de peixe comun na região e que se esconde em "locas".

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  5. Acho uma coisa sem sentido essa tentiva de querer encontrar falhas nos arugmentos e no trabalho feito pelo escritor sr. Ubaldo sobre Caramuru no Rio Vermelho, se não fosse ele ninguem estaria discutindo esse assunto e nem falando sobre 500 anos do bairro.Não conheço Ubaldo e nem Pino, mas estou acompanhando a polemica dos dois pelo blog.Sou espirita e parece que os dois tem algum carma de vidas passadas para resolver.

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  6. Olhe Maria Clara eu e Ubaldo nos conhecemos há quase 50 anos, e somos até parecidos fisicamente, quem sabe se não tivemos mesmo algum arranca-rabo em em outra encarnação? Tambem acho que se não fosse por Ubaldo o velho Diogo Álvares estaria esquecido até hoje, ele que foi o personagem mais importante da história do Brasil na primeira metade do século XVI. Só não concordo quando você diz que a polêmica é sem sentido, a meu ver toda pelêmica é bem-vinda para aqueles quer amam a verdade, aliás eu apesar de agnóstico adoro a frase: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".

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  7. Eu não aguento mais...
    O cara é um náufrago e não um descobridor...
    Achismos fazem parte da história...
    Ou será que o Escritor Ubaldo tem provas cabais??? Apresente-as.
    A palestra explicou isso JOrginho?
    Esse Jorginho tá parecendo um soldado do Ilutre Imortal.

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