A Prefeitura de Salvador está mergulhada em problemas. O prefeito João Henrique (PP), em sua terceira sigla desde que assumiu, em 2004, já teve no primeiro escalão de seu governo PSDB, PT e PMDB, que hoje advogam a condição de opositores. "João Henrique traiu miseravelmente todos os que estiveram com ele", diz Geddel Vieira Lima (PMDB), vice-presidente da Caixa Econômica Federal. A cada mudança, um novo secretariado - cerca de 60 nomes já passaram por seu governo.
Contas rejeitadas e crise política paralisam Salvador
Vandson Lima
De Salvador
A Prefeitura de Salvador está travada. Com uma dívida de R$ 131 milhões junto ao INSS, rombos consecutivos em suas contas e uma delicada conjuntura política, que promove uma frenética dança das cadeiras no secretariado local, não consegue apresentar projetos ou oferecer qualquer contrapartida para firmar convênios com o governo federal. Além disso, está inscrita no Cadastro Único de Convênio (Cauc), que indica os municípios impedidos de receber recursos federais. Tais fatores impedem a chegada de R$ 160 milhões empenhados pela União ao município. Com as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas local (TCM), com que trava uma guerra judicial, o prefeito João Henrique (PP) convive ainda com a ameaça de cassação de seus direitos políticos pelos próximos oito anos.
Em sua terceira sigla desde que assumiu a prefeitura, em 2004, João Henrique já teve no primeiro escalão de seu governo PSDB, PT e PMDB, que hoje advogam a condição de seus opositores. "João Henrique traiu miseravelmente todos os que estiveram com ele", diz Geddel Vieira Lima (PMDB), vice-presidente da Caixa Econômica Federal e terceiro colocado na eleição para governador da Bahia. Cada nova vestimenta partidária do prefeito provoca mudanças no quadro de secretários. Nem a prefeitura sabe informar quantos nomes já passaram pelo governo - especula-se em torno de 60. No início do ano, 6 dos 11 secretários foram trocados. Em seis anos, foram quatro chefes de Fazenda, sem contar os provisórios. Na Saúde, três secretários em oito meses.
Aprovadas com ressalvas por quatro anos consecutivos, as contas da prefeitura de 2009 foram rejeitadas pelo TCM. Em seu relatório, o tribunal afirma que o governo soteropolitano investiu menos do que manda a lei em Educação, gastou mais de R$ 4 milhões em multas por atrasos em pagamentos e aumentou a dívida do município, que saltou de R$ 1,5 bilhão em 2009 para R$ 1,8 bilhão em 2010, segundo a Secretaria da Fazenda de Salvador. Embora abaixo do limite de 120% da receita, estabelecido pela resolução do Senado, a dívida cresceu 43,38% em relação a 2008, segundo o TCM.
Nos dois últimos anos Salvador fechou as contas no vermelho, com déficits de R$ 217 milhões em 2009 e de R$ 276 milhões em 2010. Por meio de uma liminar, o prefeito conseguiu impedir, por ora, que o parecer do TCM chegue à Câmara dos Vereadores. Resolvido o imbróglio jurídico, se os vereadores corroborarem a avaliação do TCM, João Henrique se tornará inelegível até 2020.
A situação de descontrole fiscal levou a prefeitura a adotar, em janeiro, um contingenciamento, de R$ 600 milhões no orçamento de 2011, do qual só ficaram livres as Pastas de Educação e Saúde. O quadro de terceirizados foi diminuído em 3406 funcionários. "Criamos uma coordenadoria para fiscalizar os grandes contribuintes, que são cerca de 400 e responsáveis por 70% da arrecadação", diz o secretário de Fazenda, Joaquim Bahia.
Na tentativa de liberar os recursos destinados pelo governo federal para Salvador, o prefeito, por meio da Procuradoria-Geral do Município, ingressou com um pedido de liminar para excluir a prefeitura do Cauc, que é mantido pelo Tesouro Nacional. Alega que a maior parte dos débitos remete às gestões anteriores, que desde abril de 1977 contribuem com o histórico de inadimplência. A parte que cabe a João Henrique, segundo sua assessoria técnica, seria de pouco mais de R$ 130.
O serviço de recolhimento de lixo nas praias e na periferia é motivo de reclamação constante. A vereadora Marta Costa (PT) diz que até na igreja os parlamentares são cobrados a respeito: "Fui a uma celebração na paróquia Senhor da Paz e três pessoas pediram para utilizar o microfone, todas para reclamar da coleta. Diziam "vereadora, vamos continuar vivendo no lixo?""
O trânsito deixou de ter hora e local para ocorrer, em uma cidade cuja frota de automóveis aumentou 44,8% nos últimos quatro anos. As vias estão saturadas. Na semana passada, a quebra de duas sinaleiras, somada a uma paralisação parcial da frota de ônibus, no início da manhã, travou a cidade. A construção do metrô se arrasta desde 1999. Já passou por diversas mudanças no projeto que, dividido em duas fases de seis quilômetros cada, tem a entrega de seu primeiro trecho prevista para o fim deste ano. "É o menor metrô do mundo. E o primeiro trecho liga nada a coisa alguma", afirma o vereador Paulo Câmara (PSDB).
Cerca de R$ 700 milhões já foram gastos nas obras - a previsão inicial era de R$ 325 a R$ 380 milhões para 12 km de metrô. Em entrevista recente ao jornal "Tribuna da Bahia", o prefeito se recusou a garantir uma data de inauguração: "Quando se trata de metrô de Salvador, eu me recuso a falar de prazos (...). Existem obstáculos e desafios que se apresentaram ao longo desses 11 anos que ninguém imaginava, a ponto de o assunto virar motivo de deboche e de gozação", observou. Já sobre o modal de transporte a ser adotado em curto prazo, com vistas à Copa de 2014 - Salvador é uma das cidades-sede -, o prefeito não tergiversa. É defensor da adoção do Bus Rapid Transit (BRT), constituído de ônibus articulados, em detrimento dos Veículos Leves sobre Trilhos (VLT).
A União fará o repasse de R$ 571 milhões para a instalação do modal. O colega de partido e ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP), é outro defensor do modelo. A reportagem do Valor solicitou entrevista com o prefeito, sem sucesso.
João Henrique de Barradas Carneiro é filho do senador e ex-governador João Durval (PDT). Iniciou sua trajetória política como vereador em 1989 pelo PFL. Eleito deputado estadual em 1995, pelo PDT, notabilizou-se como defensor dos direitos do consumidor. Seu discurso sensibilizava especialmente a classe média soteropolitana, insatisfeita em pagar taxas como as de iluminação pública e recolhimento do lixo, criadas na gestão do prefeito Antônio Imbassahy (ex-PFL, hoje no PSDB).
Midiático, evangélico e um tanto emotivo - não houve opositor que não citasse à reportagem o fato de o prefeito com frequência chorar em reuniões e atos públicos - é conhecido ainda pela oratória que comove os mais pobres.
Em 2004, na esteira da fadiga de sucessivos governos de aliados de Antonio Carlos Magalhães (PFL) em Salvador e no Estado, João Henrique, então no PDT, derrotou o carlista César Borges (PFL), com apoio de todas as siglas mais à esquerda (PT, PSB e PCdoB) no segundo turno. PDT, PSDB, PSL, PSC, PMN e Prona formavam a coligação original.
PSDB e PDT estiveram no alto escalão da prefeitura nos dois primeiros anos de governo. A partir de 2006 perderam espaço para o PT que, por sua vez, perdeu postos para o PMDB a partir de 2007, ano em que João Henrique se filia à sigla. Com uma gestão impopular, o prefeito recorre a Geddel, então ministro da Integração Nacional: "Nós [do PMDB] assumimos a prefeitura". Naquele momento, as pesquisas de intenção de voto não apontavam a reeleição de João Henrique. Aparecia na quarta colocação, atrás de Imbassahy (PSDB), Pinheiro (PT) e de Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM).
Por influência de Geddel, recursos do governo federal começam a entrar fartamente nos cofres municipais. "A cidade, que estava esburacada, recebeu um banho de asfalto. Ao mesmo tempo, o prefeito investiu na criação de parques, obras com visibilidade", avalia o vereador Gilmar Santiago (PT), um dos petistas que fizeram parte da gestão de João Henrique, como secretário de Governo.
Surpreendentemente, o prefeito foi ao segundo turno com Pinheiro (PT), cada um com 30% dos votos. Recebeu então o apoio de ACM Neto, que havia liderado boa parte da corrida eleitoral e terminara em terceiro, com 26% dos votos. Os votos de ACM Neto migraram para o prefeito, que se reelegeu com 58% dos votos.
Geddel diz que, terminada a disputa, o prefeito se afastou do PMDB: "Nossos quadros começaram a ser tirados, um a um. E quem começa a mandar na prefeitura é a Madame Bovary", alfineta. Geddel refere-se a Maria Luiza Barradas (PSC), esposa do prefeito e deputada estadual em sua segunda legislatura. Com a derrota de Geddel na disputa pelo governo baiano, João Henrique, que já não havia se empenhado na campanha do ex-ministro, rompe de vez com o PMDB, deixando o partido em janeiro. Em março, ingressa no PP, do recém-empossado ministro Negromonte, em cerimônia acompanhada pelo governador Jaques Wagner (PT).
O prefeito inicia aí sua inflexão política mais recente. Leva para a Pasta da Educação o deputado João Carlos Bacelar (PTN), principal articulador dos opositores de Wagner na Assembleia Legislativa, facilitando a vida do governador. O PTN agora estuda adentrar a base governista estadual. E João Henrique busca novamente abrigo junto aos petistas via Wagner, já que a vereança petista com quem outrora governou promete rejeitar suas contas.
Antes, o prefeito terá de lidar com outra contenda de tirar o sono: o Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Salvador fará, hoje, uma paralisação dos serviços públicos por 24 horas, em protesto pelo não cumprimento de acordos salariais e de carreira de 2009 e 2010.
Salvador como primeira Capital do Brasil pode também ser pioneira como a primeira Capital a impugnar o mandato de um Prefeito.
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