O meu cardiologista, homem supostamente letrado, ao parafrasear o grande Fernando Pessoa, declarou com sua voz firme e educada: “João, no alto dos seus 58 anos, caminhar é preciso”. Eu, como um bom paciente e louco por poesia, acatei prontamente as recomendações do meu médico metido a poeta. Mal sabe ele - pensei naquele momento - que para caminhar na rua onde moro, no Morro das Vivendas, aqui no Rio Vermelho, não basta estar preparado para uma simples caminhada - é preciso ter, literalmente, jogo de cintura. Sim, jogo de cintura para desviar dos obstáculos que, passo a passo, se colocam no caminho.
A gente pode tropeçar nos imensos e muitos buracos nas calçadas ou escorregar em algum cocô dos cachorrinhos ou dos cachorrões das madames mal-educadas do local. Como se não bastasse, de uns tempos pra cá, a gente também corre o risco de escorregar no cocô dos cavalos que pastam em uma antiga praça que fica no final do morro – antiga, pois a aprazÃvel pracinha, hoje completamente abandonada, tornou-se uma espécie de sÃtio mal cuidado para criação de equinos igualmente mal cuidados. Uma vergonha!
A verdade é que, para caminhar aqui no morro, é preciso possuir as habilidades dos grandes dribladores do futebol, como o Robinho e o Neymar, caso contrário é tombo na certa – e não adianta saber driblar como os jogadores do Bahia ou do Vitória, times da segunda divisão que, infelizmente, há muito tempo não sabem o que é ter um craque em seus elencos.
Desde já, fica aqui o meu apelo: Senhor prefeito, aproveite as obras de requalificação do bairro e conserte o nosso morro. Entenda que os moradores do Morro das Vivendas são também eleitores, cidadãos que pagam impostos caros e que merecem caminhar contemplando a pouca beleza que ainda resta no local, sem, é claro, o risco de tombar em algum buraco estrategicamente exposto em seus caminhos.
Também fica o meu apelo para que as madames do local tomem atitudes de cidadãs e façam a sua parte. Recolham, por caridade, os cocôs dos seus ricos e bem cuidados animais de estimação. Quanto aos donos dos “pangarés”, sugiro que os encaminhem para um lugar onde sejam tratados com a dignidade que qualquer ser vivente merece.
Como nem tudo está perdido para os otimistas de plantão, o lado bom da história é que, com todo o jogo de cintura que adquiri caminhando e driblando buracos e obstáculos mal cheirosos no Morro das Vivendas, sinto-me pronto, no alto dos meus 58 anos, para fazer parte do elenco do Bahia ou do Vitória rumo à primeira divisão. Portanto, senhores “cartolas” do futebol baiano, aproveitem, pois o meu “passe” está à venda.