PDDU de QUEM ? Do Povo? Da Cidade? Dos Empresarios? Dos Hoteis?


MP BA X JH Ação Civil da inconstitucionalidade do PPDU em face da autonomia municipal, estabelecida no art. 18, da CF 


EXCELENTÍSSIMO SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DE SALVADOR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio das Promotoras de Justiça infrafirmadas, titulares da 5ª Promotoria da Cidadania e 6ª Promotoria do Meio Ambiente, com atribuições na Defesa do Patrimônio Público e do Meio Ambiente, com endereço na Avenida Joana Angélica, nº 1312, 4º andar do prédio anexo da sede do Ministério Público, usando das atribuições que lhes são conferidas em lei, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no Art. 129, inciso III, da Constituição Federal; Art. 2º, 3º, 5º, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1.985, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR OBRIGAÇÃO DE FAZER

Em face do MUNICÍPIO DE SALVADOR, pessoa jurídica de direito público interno, na pessoa do seu representante legal, situada na Praça Municipal, s/n, Centro, e da MESA DIRETORA DA CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE SALVADOR, representada pelo seu Presidente, Pedro Godinho, com domicílio na Câmara de Vereadores, Praça Municipal, s/n, Centro.

II- DOS FATOS

O Grupo Hermes de Cultura e Promoção Social, juntamente com o Movimento Vozes de Salvador, bem como as vereadoras do Município de Salvador Maria Aladilce Souza, Maria Olívia Santana, Marta Rodrigues, Vânia Galvão e o vereador Gilmar Santiago, encaminharam representação ao Ministério Público Estadual contra o Prefeito de Salvador, João Henrique de Barradas Carneiro, em virtude da não implantação do Conselho Municipal de Salvador - Conselho da Cidade, estabelecido no PDDU, Lei nº 7.400/08.

Instaurado Procedimento Investigativo Preparatório nº 26/2010, em 14 de julho de 2010, foram solicitadas informações quanto às medidas adotadas, voltadas à criação do Conselho da Cidade. Em resposta, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente - SEDHAM, através da Procuradoria do Município, argüiu que as atribuições do Conselho Municipal de Salvador coincidem com competências estabelecidas para o Conselho de Desenvolvimento Urbano de Salvador, pela Lei nº 2.681/75. Aduziu, ainda, que o referido órgão colegiado afronta a autonomia municipal.

Tais argumentos, conforme se demonstrará no item II desta petição, não possuem qualquer pertinência, razão pela qual o Ministério Público encaminhou novo ofício recomendatório ao Secretário da SEDHAM refutando todos os pontos abordados no pronunciamento mencionado, nos seguintes termos:

Ofício nº 260/2010.

Salvador, 19 de agosto de 2010.

Excelentíssimo Senhor

PAULO SÉRGIO DAMASCENO SILVA

SECRETÁRIO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO, HABITAÇÃO E MEIO
AMBIENTE - SEDHAM

Nesta

Senhor Secretário,

Cumprimentando-o, acuso o recebimento do ofício nº 142/10, ao tempo em que afirmo a improcedência dos argumentos apresentados, pelas seguintes razões:

a) existência de competências coincidentes do Conselho Municipal de Salvador com o Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município

Inicialmente, sabe-se que prevalece no nosso ordenamento a regra que determina a revogação de dispositivos de lei anterior pela lei posterior, de mesma hierarquia, de acordo com o que determina o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

No presente caso, a Lei Ordinária Municipal nº 7.400/08, ao estabelecer as competências do Conselho Municipal de Salvador, revogou aquelas coincidentes atribuídas ao Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município, através da Lei Ordinária Municipal nº 2.681/75. Acrescente-se que o art. 349, da Lei nº
7.400/08, revogou expressamente disposições legais em contrário.

Ademais, não se justifica a manutenção do Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município, estabelecido antes da vigência da Lei nº 10.257/01, Estatuto da Cidade, que determinou a criação dos Conselhos Municipais, adequados a nova lei de políticas urbanas, bem como à Constituição Federal de 1988 (art. 182 e seguintes). Tal assertiva revela-se também pelo disposto no parágrafo único do art. 296, segundo o qual “O Conselho Municipal de Salvador, é parte integrante dos Sistemas Nacional e Estadual de Desenvolvimento Urbano”.

Por fim, é do conhecimento desta Promotoria de Justiça, que o Conselho de Desenvolvimento Urbano, desde a promulgação do PDDU, não vem se reunindo, o que parece revelar a sua extinção.

b) Da inconstitucionalidade do PPDU em face da autonomia municipal, estabelecida no art. 18, da CF

Tal argumento, como o anterior, não guarda qualquer respaldo jurídico.

Primeiramente, acrescente-se que a autonomia municipal revela-se pela impossibilidade de interferência Estadual e Federal na sua gestão, salvo se autorizado constitucionalmente. Ora, no âmbito do próprio município prevalece a independência para distribuição de competências, com exceção daquelas estabelecidas na Constituição Federal. Assim, não haveria qualquer vício de constitucionalidade, a existência de lei municipal atribuindo competências a entes criados pelo próprio Município.

No presente caso, parece que há um grave equívoco cometido quando se afirma que foram deferidas “atribuições administrativas, orçamentárias e fiscais ao Conselho Municipal de Salvador”, citando como respaldo para tal argumento os incisos, IX, X e XVII, do art. 297, da Lei nº 7.400/08. Quanto ao inciso IX, o mesmo fala apenas na apreciação e manifestação quanto à compatibilidade orçamentária com as diretrizes do PDDU, o que condiz com o seu propósito. Já o inciso X, fala novamente na emissão de parecer sobre proposta de lei e de planos e programas sobre projetos de desenvolvimento urbano. Por fim, o inciso XVII fala da criação do regimento interno pelo conselho. Não há assim, qualquer violação às competências originárias do Executivo Municipal. Alias atribuições semelhantes foram estabelecidas para o ConCidades – Conselho das Cidades.

Inexiste qualquer irregularidade, muito menos inconstitucionalidade, na deliberação do Conselho sobre o Fundo de Desenvolvimento Urbano, que deve ser gerido por conselho gestor no qual deverá haver participação social.

Com efeito, não possui qualquer pertinência a afirmação segundo a qual a lei inviabilizará a administração executiva municipal. Aliás, tal justificativa revela apenas o propósito do Executivo Municipal permanecer no controle de todas decisões concernentes à política urbana do Município, contrariando os princípios da participação social e gestão democrática, previstos no art. 43 do Estatuto da Cidade e reafirmado no art. 295 do PDDU de Salvador.

A inércia na implantação do referido Conselho vem comprometendo a transparência da gestão urbanística municipal, revelando, por conseguinte, a violação de princípios consagrados no ordenamento jurídico pátrio.

Ressalte-se que diversamente do articulado, não é a Lei Orgânica do Município o “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, e sim o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, como consta do art. 182, §1º, da Constituição Federal.

Por fim, RECOMENDO a Vossa Excelência, na qualidade de Secretário da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente – SEDHAM, que promova a IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SALVADOR, adequando-se assim aos princípios
administrativos que regem a atividade administrativa, requisitando, na oportunidade, que as providências adotadas sejam comunicadas à signatária, no prazo de dez dias úteis, a contar do recebimento da presente, bem como outras informações que entender necessárias, sob pena de propositura de ação civil pública por prática de ato de improbidade administrativa.

Nesta oportunidade, requisito, também, cópias das atas das reuniões do Conselho de Desenvolvimento Urbano, ocorridas nos últimos dois anos.

Publique-se. Notifique-se.

Cidade do Salvador (BA), agosto, 19, 2010

RITA TOURINHO

PROMOTORA DE JUSTIÇA

Nesse ponto, não se pode deixar de fazer referência ao parecer da palavra da Procuradora do Município e Coordenadora da Procuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio Urbanístico e Obras, no qual após tratar do
princípio da democracia participativa, oriundo da Constituição Federal, da gestão democrática das cidades, constante do art. 43, do Estatuto da Cidade, e da gestão orçamentária participativa, prevista no art. 44, da Lei Complementar nº 101/2000, conclui pela “VIABILIDADE DE INSTALAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SALVADOR” (doc. Fls. 226 a 238).

Requisitadas novas informações à SEDHAM quanto às providências voltadas à instalação do referido Conselho, em 16 de novembro de 2010, o gestor da Pasta informou que “após a designação de comissão responsável pela instalação e regulamentação do Conselho da Cidade pela PORTARIA nº 55/2010 – SEDHAM, publicada no Diário Oficial do Município de 06 de outubro de 2010 – foi realizada uma 1ª reunião da comissão (segue ata em anexo) onde em síntese estabeleceu-se que a comissão deve proceder à coleta dos endereços das entidades escolhidas, para que, por meio de ofício sejam solicitados os nomes dos conselheiros representantes do CMS”. Assim, o Secretário da SEDHAM parecia ter acatado pronunciamento da Procuradoria, pela regularidade do Conselho Municipal de Salvador.

Acrescente-se que também foi encaminhado ofício ao Ministério Público, oriundo da Chefia da Procuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio Urbanístico e Obras, informando a deliberação da SEDHAM pela preparação da minuta do decreto de nomeação dos membros do Conselho Municipal da Cidade, bem como da minuta do decreto de regulamentação daquele órgão, aduzindo, ao final que “tal minuta de regulamentação do sobredito órgão colegiado foi apreciada pela Procuradoria, devendo ser o processo respectivo encaminhado à SEDHAM para adoção das medidas necessárias à instalação do mencionado Conselho”.

Diante da demora na efetiva instalação do Conselho da Cidade, contrariando, inclusive, as informações quanto ao estágio do processo, foi ouvido em Termo de Declarações o Secretário da SEDHAM, Paulo Damasceno (doc. fls. 243 e 244), em 20 de outubro de 2010. Naquela oportunidade, o então Secretário reafirmou os termos do seu ofício enviado ao Ministério Público, quanto à designação de comissão para realizar estudos sobre as indicações feitas pelas instituições eleitas para fazer parte do Conselho. Aduziu, também, que o processo de instalação já se encontrava pronto, aguardando somente pronunciamento da Procuradoria do Município. Questionado sobre o Fundo de Desenvolvimento Urbano – FUNDURBS, o Secretário disse que o referido fundo deve ser gerido pelo Conselho da Cidade, mas atualmente é gerido pela SEFAZ, com parecer favorável da Procuradoria.

Em face da informação prestada pelo Secretário da SEDHAM, oficiou-se ao Secretário Municipal da Fazenda requisitando cópia das prestações de contas concernentes à utilização dos recursos do FUNDURBS. Tais informações, apesar de demandadas em 24 de outubro de 2011, não foi atendida até a data de propositura desta demanda.

Em 24 de outubro de 2011, nova recomendação foi enviada ao Prefeito de Salvador, estabelecendo um prazo de 30 (trinta) dias para instalação do órgão colegiado, sob pena de adoção de medidas legais.

Sem possibilidade de persistir na procrastinação para instalação do Conselho de Salvador, a Procuradoria-Geral do Município optou pelo encaminhamento de ofício ao Ministério Público atribuindo uma absurda inconstitucionalidade ao referido órgão colegiado, pelas razões expostas no ofício nº 701/2011, de fls. 249 a 272. Conforme restará provado no item II, a argüição de afronta à Constituição Federal não possui qualquer argumento minimamente sustentável.

Por fim, ciente que a defesa da inconstitucionalidade do Conselho Municipal de Salvador não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, o Prefeito deste Município, com o flagrante propósito de inviabilizar a gestão democrática da cidade, encaminhou projeto de lei – nº 432/2011, em regime de urgência, com o propósito de esvaziar as atribuições do Conselho, revelando postura autoritária, distante dos princípios constitucionais, abraçados pelo Estatuto da Cidade, voltada a implantar um urbanismo ditatorial, sem qualquer preocupação com os anseios sociais.

III- DO DIREITO

1º) GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE: DELINEAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL

De acordo com o art. 182 da Constituição Federal “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais, fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

A postura democrática da Carta Constitucional de 1988, estabelecida no seu parágrafo único do art. 1º, revela o regime democrático acolhido no nosso Estado. Não é admitido, dentro de um regime dessa natureza, uma construção argumentativa que retire a possibilidade do povo participar diretamente do exercício do poder, já que é o próprio povo que detém a titularidade de tal poder.

Nesta linha de entendimento, Gustavo Henrique Justino de Oliveira afirma que

No que tange à realidade institucional brasileira, a junção da noção de democracia à de Estado de direito, levada a efeito pela atual Constituição, muito mais que estabelecer um qualificativo do modo de ser do nosso Estado Federal, foi responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeiríssima grandeza, de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais[1].

Ainda sobre a gestão participativa, destaca-se a posição exposta por Diogo de Figueiredo[2] que, ao se reportar ao princípio da participação política no âmbito de cada esfera de poder, aduz que este guarda relações com o princípio da subsidiariedade, pois os cidadãos e associações estão cada vez mais empenhados em influir nas decisões de poder que repercutem diretamente na esfera dos seus interesses pessoais.

A mudança do modelo político introduziu inovações na própria estrutura da Administração Pública Municipal que deve abandonar o perfil autoritário, burocrático, isolado, distante dos cidadãos e deve passar
a assumir uma postura democrática nas relações com os administrados.

Adilson Abreu Dallari quando avalia essas novas tendências constata que:

Os particulares, os cidadãos, os destinatários finais das ações estatais, paulatinamente estão deixando de ser considerados como intrusos nas atividades administrativas, especialmente nos processos de tomada de decisões. A tendência é no sentido de desenvolvimento da participação popular nas decisões administrativas, como já vem ocorrendo em questões ambientais, nas concessões de obras e serviços públicos, nas licitações de grande vulto e em matéria de planejamento urbano.

A política de desenvolvimento urbano não é uma responsabilidade exclusiva dos Governos federal, estaduais e municipais. Os entes federados têm atribuições comuns e concorrentes, devendo buscar uma compatibilização segundo os interesses públicos, se articularem e cooperarem entre si, integrando suas políticas e ações, com vistas à realização dos objetivos fundamentais da república e à promoção e defesa da dignidade da pessoa humana.

É na dimensão democrática que ocorre a síntese de todas as dimensões dessa nova política nacional de desenvolvimento urbano, que vem sendo construída em um processo de constante contribuição efetiva dos entes políticos e da sociedade civil, realizando um pacto para a transformação das cidades brasileiras em cidades sustentáveis e cumprindo os princípios e as diretrizes estabelecidas tanto na Constituição Federal, como no Estatuto da Cidade.

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) ingressou no ordenamento jurídico brasileiro regulamentando os novos moldes do Direito Urbanístico, destacando-se as normas que buscam democratizar o processo de gestão das cidades brasileiras.

Assim, em seu art. 2º, inciso II, o Estatuto determina que a política urbana no Brasil tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelecendo entre as suas diretrizes gerais “a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas de vários seguimentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.

Nesse patamar, devem ser garantidos instrumentos de gestão descentralizada e democrática, bem como o acesso à informação, à participação e ao controle social nos processos de formulação, tomada de decisões, implementação e avaliação da política urbana. Por esta razão, a gestão democrática, abraçada no ordenamento jurídico brasileiro, tem por fundamento reconhecer a autonomia dos movimentos sociais, sem discriminação, e estar sempre comprometida com o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Coerente com democracia participativa o Estatuto da Cidade dispõe no seu Capítulo IV sobre a gestão democrática da cidade e especificamente n art. 43, dispõe sobre os instrumentos a serem utilizados para
efetividade deste princípio, assim:

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I- órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho[3] o referido dispositivo decorre da importância de investigar a vontade das populações para a definição das diversas diretrizes políticas e administrativas.

2º) DA OBRIGATORIEDADE DA CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO CONSELHO DA CIDADE

Visando implementar o princípio da gestão democrática ficou instituído no Estado Brasileiro, a partir da 1ª Conferência Nacional das Cidades, a criação do Conselho das Cidades, em todos os níveis da federação, com a proposta de se constituir uma instância de interação com os diversos interesses da Cidade e com um forte potencial de se constituir em um espaço de pactuação entre os diferentes atores e seus respectivos interesses em torno de políticas públicas, para proposição de um novo tipo de planejamento urbano.

O Conselho das Cidades é um órgão colegiado que reúne representantes do Poder Público e da sociedade civil, permanente, deliberativo e fiscalizador, conforme suas atribuições, tendo por finalidade assessorar, estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento urbano, com participação social e integração das políticas fundiárias e de habitação, saneamento ambiental, trânsito, transporte e mobilidade urbana.

Segundo Jivago Petrucci[4], a criação de tais órgãos colegiados segue requisitos mínimos a serem observados pelos entes federados, extraídos da interpretação sistemática do Estatuto da Cidade e de suas bases constitucionais.

O Ministério da Cidade, inclusive, através do Conselho das Cidades – ConCIDADES, em Resolução de nº 13, de 16 de junho de 2004, propõe diretrizes e recomendações aos atores sociais e governamentais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para a criação dos Conselhos Estaduais e Municipais das Cidades, ou equivalentes. Com efeito, o art. 1, da referida Resolução determina:

I-Todos os atores (governamentais e não-governamentais) necessitam se empenhar na construção de uma cultura democrática e participativa, visando alcançar os objetivos acima mencionados. Um conselho tem atribuição principal de avaliar, propor, debater e aprovar a política de desenvolvimento urbano em conjunto – governo e sociedade civil – em cada esfera da federação.(...)

V-O Conselho da Cidade ou equivalente a ser criado nas unidades da Federação é fundamental que possa se referenciar nas diretrizes e princípios aprovados na Conferência Nacional das Cidades.(...)

VII- A composição do novo conselho poderá, a partir de uma análise dos atores existentes em cada lugar, contemplar a representação de todos os segmentos sociais existentes. Poderá seguir os segmentos designados no conCIDADES, eleitos na Conferência Nacional das Cidades.

VIII-Os governos, nas várias instâncias, precisam garantir a autonomia ao pleno funcionamento dos conselhos, bem como garantir dotação orçamentária e a instituição de uma secretaria executiva.

IX-O Conselho das Cidades está institucionalizado a partir do Decreto nº 5.031, de 02/04/2004, Portarias nºs 142, de 05/04/04, e 150 e 151, de 13/04/04, Regimento Interno (Resolução nº 001, de 15 de abril de 2004), que poderão ser seguidos, respeitando as diferenças institucionais e características locais.

Seguindo as recomendações do ConCIDADES, o Município de Salvador, quando da elaboração do PDDU, Lei nº 7.400/2008, deliberou sobre os instrumentos de participação popular no planejamento e gestão democrática da Cidade em diversos artigos. Em especial, considerou no seu art. 295, como um dos instrumentos capazes de assegurar a participação no processo de planejamento e gestão da cidade, o Conselho Municipal de Salvador, determinando sua criação, no art. 296, como “órgão colegiado permanente, de caráter consultivo e deliberativo, composto por representantes do poder público e da sociedade civil”, incluindo-o como “parte integrante dos Sistemas Nacional e Estadual de Desenvolvimento Urbano”.

Observa-se que os objetivos, estrutura e composição do Conselho Municipal de Salvador, constantes do PDDU, coincidem com aqueles estabelecidos na Resolução nº 13/04 antes referida. Logo, o Conselho da  Cidade não é uma inovação criada pelo PDDU, mas uma diretriz da política nacional de desenvolvimento urbano, inclusive incentivada pelo Ministério das Cidades.

Deve-se ressaltar, que o PDDU (Lei nº 7.400/08), no seu art. 349, revogou expressamente disposições legais em contrário ao quanto estabelecido na Lei Municipal. Assim, ao criar o Conselho Municipal de Salvador e definir as suas competências, revogou aquelas coincidentes, atribuídas a outros conselhos, a exemplo do Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município, criado pela Lei Ordinária Municipal nº 2.681/75. Ademais, no que concerne ao Conselho de Desenvolvimento Urbano do Município, não se justificaria a sua manutenção, uma vez que estabelecido antes da vigência da Lei nº 10.257/01, Estatuto da Cidade, que determinou a criação dos Conselhos Municipais, adequados a nova lei de políticas urbanas, bem como à Constituição Federal de 1988 (art. 182 e seguintes).

Não se pode aceitar a inércia municipal na implantação do Conselho Municipal de Salvador sob argumento de que tal órgão colegiado inviabilizará a “administração executiva municipal”. Tal afirmação, contida no documento de fls. 250 a 276, revela a postura antidemocrática do Governo Municipal de Salvador, pretendendo alijar a sociedade civil do processo de decisões referentes à política de desenvolvimento urbano do Município, atingindo o direito fundamental ao exercício da cidadania e inviabilizando o controle social.

Quanto ao FUNDURBS, o mesmo também foi estabelecido no PDDU, seguindo diretrizes federais. Aliás, a criação do mesmo decorreu da iniciativa legislativa do Executivo Municipal, no exercício de sua discricionariedade, quando do encaminhamento do Projeto de Lei à Câmara de Vereadores, que originou a Lei nº 7.400/01.

Também sem qualquer fundamento o argumento constante do parecer da Procuradoria-Geral que questiona a regularidade de “fundo público”, aduzindo que fere ao princípio da unidade da tesouraria, trata da caixa única do tesouro, citando como fundamento o art. 56 da Lei nº 4.320/64. A mesma legislação citada pela Procuradoria, traz no seu art. 71 a previsão dos fundos especiais, assim entendidos como “o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultando a adoção de normas peculiares de aplicação”. De acordo com J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis[5] “o fundo especial é sempre de natureza financeira e se constitui uma exceção ap princípio da unidade de tesouraria, sobre o que dispõe o art. 56, desta lei.”.

Como se não bastasse, o parecer da Coordenadora da Procurador ia doMeio Ambiente, Patrimônio Urbanístico e Obras, às fls. 226 a 233, corrobora com a legalidades do FUNDURBS.

Ao contrário do que argumenta a Procuradoria-Geral do Município, também não há qualquer inconstitucionalidade na ampliação das atribuições do Conselho Municipal de Salvador, em face da lei federal. Pelo contrário, ao ampliar a participação do Conselho nas decisões políticas da gestão urbana da cidade, o Município de Salvador, nada mais fez do que consolidar o princípio constitucional da democracia participativa. Deve-se repetir que a democracia participativa tem como pressuposto trazer as decisões para o âmbito dos interessados, subtraindo o poder das autoridades públicas, como esclarece Wallace Paiva Martins Júnior[6].

Saliente-se que a Constituição Federal, no art. 24, não excluiu o município de exercer suas competências nas matérias arroladas neste artigo, podendo suplementar as normas federais e estaduais, no que couber, conforme art. 30, II.

Acima de tudo, causa estranheza o fato de que o projeto de lei que deu origem ao PDDU partiu do próprio executivo municipal, elaborado e encaminhado pela atual gestão que agora pretende esquivar-se de cumprir a lei de sua própria autoria, argüindo uma inexistente inconstitucionalidade. Ressalte-se que não houve nenhuma emenda aos artigos da gestão participativa quando da sua discussão e votação do Projeto de Lei da Câmara de Vereadores, sem qualquer veto do Prefeito.

III- DO PEDIDO LIMINAR E DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Justifica-se a concessão de medida liminar, bem como a antecipação de tutela quando presentes os requisitos do fumus bonis juris e o periculum in mora.

Para Vicente Greco Filho[7], o fumus bonis juris está calcado em um “juízo de probabilidade” quanto ao resultado favorável da ação principal. Já o periculum in mora, na lição do renomado jurista, consiste “no estado de perigo no qual se encontra o pedido principal, a possibilidade ou certeza de que a atuação normal do direito chegaria tarde”. É o “perigo da demora” na verdadeira acepção do brocardo latino.

Como diz Pontes de Miranda, a cautela é concedida pelo receio “em se considerar que algo mau vai ocorrer, ou é provável que ocorra. A probabilidade é elemento necessário; não se pode recear o que não é possível, nem mesmo o que dificilmente ocorreria”[8].

No presente caso, encontra-se patenteada a “fumaça do bom direito”, uma vez que ficou fartamente demonstrado que o Alcaide municipal vem cerceando a participação social na gestão urbana da cidade de Salvador, com frontal violação ao princípio constitucional de participação democrática nas políticas urbanas, presentes também no Estatuto da Cidade. Considere-se, ainda, que a omissão na efetiva implantação do Conselho Municipal de Salvador é atitude que vai de encontro ao estabelecido na Lei Municipal nº 7.400/07.

O flagrante propósito de adotar posturas urbanísticas descomprometidas com a transparência e as expectativas sociais fez com o que Prefeito de Salvador, durante a tramitação do procedimento investigativo do Ministério Público, adotasse atitudes contraditórias, culminando com a alegação de uma absurda inconstitucionalidade do Conselho da Cidade.

Cônscio da fragilidade dos seus argumentos, o Chefe do Executivo Municipal encaminhou à Câmara de Vereadores projeto de lei, em regime de urgência, para alijar o Conselho Municipal de Salvador, dos debates e das decisões voltadas à gestão urbanística do município.

Torna-se imperiosa a adoção de medida judicial no sentido de frear imediatamente a tramitação do referido projeto de lei, considerando, inclusive, que o mesmo visa a alteração do PDDU, o requer o atendimento às regras estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, no seu art. 40, bem como o que dispõe o artigo 302, da Lei nº 7.400/07, no tocante ao processo participativo e as audiências públicas para a revisão de matéria contida no Plano Diretor de Salvador e da Ordem Urbanística Local.

Já o periculum in mora decorre dos sérios prejuízos que atingem a ordem urbanística de Salvador e sua população que se vê completamente excluída das deliberações que atingem seus interesses, considerando, inclusive, que o planejamento da cidade deve tomar o partido da  maioria da população e não de grupos determinados. A omissão do Município da implantação do Conselho prejudica a transparência que deve existir nas relações entre a Administração Pública e os cidadãos, impedindo-os de controlar, sugerir, consultar e deliberar. Por outro lado, tal omissão agrava-se neste momento próximo aos debates e deliberações sobre o Projeto de Lei em tramitação na Casa Legislativa Municipal alterando artigos importantes do PDDU, visando adequá-lo ao evento Copa 2014.

O periculum in mora se agrava ainda mais com o encaminhamento à Câmara  de Vereadores de Projeto de Lei que tem como objetivo exclusivo retirar as atribuições deliberativas do Conselho Municipal de Salvador, remetido em regime de urgência, em 30.11.2011, colocando em risco o tramite legal do processo de revisão do PDDU, que exige ampla comunicação pública, ciência do cronograma e locais de reuniões, apresentação dos estudos e propostas com antecedência, no mínimo, de 15 (quinze) dias, publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas do processo.

Ademais, as audiências públicas devem ser convocadas por edital, anunciada pela imprensa local e outros meios de comunicação de massa, ao alcance da população e ocorrer em locais e horários acessíveis à maioria da população.

Diante do exposto, estando por demais evidenciado o fumus bonis juris, explicitado no flagrante e ostensivo desrespeito as normas constitucionais e legais, e comprovado o periculum in mora pela irresponsável atitude de fazer aprovar o projeto de lei n.º 432/2011 que retira as competências deliberativas do Conselho Municipal de Salvador, em regime de urgência, tudo provado exacerbadamente pelos documentos insertos no Procedimento Investigativo Preliminar em anexo, é imperiosa a concessão da MEDIDA LIMINAR determinando a imediata suspensão da tramitação do Projeto de Lei, em regime de urgência, para que sejam adotadas todas as providências legais que devem anteceder a aprovação do referido projeto, permitindo, destarte, o debate público,

Independente do encaminhamento de projeto de lei, visando alterar as competências do Conselho Municipal de Salvador, impõe-se a imediata implantação do órgão colegiado, com a nomeação dos seus integrantes, pois persiste a obrigação de cumprir o quanto determina a Lei nº 7.400/07, daí porque requer a ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, determinando-se a imediata implantação do Conselho do Município de Salvador, com a nomeação dos seus integrantes

IV- DO PEDIDO

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

1. A concessão de liminar, com fundamento no art.12, da Lei nº 7.347/85, em face da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Salvador, inaudita altera pars, diante do iminente perigo de dano, determinando a imediata suspensão da tramitação do Projeto de Lei nº 432/2011, em regime de urgência, para que sejam adotadas todas as providências legais que devem anteceder a aprovação do referido projeto, permitindo, destarte, o debate público.

2. A antecipação de tutela, com fundamento no art.12, da Lei nº 7.347/85, em face do Prefeito Municipal de Salvador, determinando a imediata implantação do Conselho Municipal de Salvador, com a nomeação dos seus conselheiros, já escolhidos pela Comissão instituída no âmbito da SEDHAM

Requer, ainda:

1. a citação dos réus para, querendo, responderem aos termos da presente ação, assumindo, caso não o façam, os efeitos decorrentes da revelia e confissão, prosseguindo o regular processamento do feito, julgando-se, ao final, procedentes todos os pleitos formulados;

2. a intimação pessoal do representante do Ministério Público, dos atos processuais, com remessa dos autos, conforme disposto no artigo 18, inciso II, alínea h, da Lei Complementar n.º 75/93; artigo 236, § 2º do Código de Processo Civil; Provimento 6 P/CR 02/2006;

3. a dispensa ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do que dispõe os arts. 18, da Lei nº 7.347/85 e 87, da Lei nº 8.078/90.

Por fim, pleiteia a total procedência da presente Ação Civil Pública, impondo ao Município de Salvador a obrigação de fazer, qual seja, implantar, em caráter definitivo, o Conselho Municipal de Salvador, nomeando e dando posse aos seus Conselheiros, garantindo suporte técnico e operacional exclusivo, necessário ao seu pleno e regular funcionamento, o qual atuará como uma unidade orçamentária.

Pleiteia, ainda, a imposição de obrigação de fazer em face da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Salvador, para que obedeça o tramite legal do processo de revisão do PDDU, que exige ampla comunicação pública, ciência do cronograma e locais de reuniões, apresentação dos estudos e propostas com antecedência, no mínimo, de 15 (quinze) dias, publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas do processo.

Protesta o autor provar o alegado pelos meios de provas em direito permitidos, notadamente, a juntada de novos documentos, oitiva de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente.

Embora esta ação seja de conteúdo econômico inestimável, dá-se à causa, para efeitos legais, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Salvador, 01 de dezembro de 2011

RITA TOURINHO

Promotora de Justiça

CRISTINA SEIXAS GRAÇA

Promotora de Justiça

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[1] OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. As Audiências Públicas e o Processo Administrativo Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília: ano 34, nº 135. p. 274.

[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Renovar: Rio de Janeiro, 2001. p. 25-28.

[3] CARVALHO FILHO. José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 292.

[4] PETRUCCI, Jivaco. Gestão Democrática da Cidade: Delineamento Constitucional e Legal. In Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 204.

[5] MACHADO Jr. J. Teixeira. A Lei 4.320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro: IBAM, 2008. p. 156.

[6] MARTINS JÚNIOR. Wallace Paiva. Participação Popular no Estatuto da Cidade. In Temas de Direito Urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005. p. 240.

[7] apud Filho, Marino Pazzaglini e outros. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas, 2ª edição

[8] Miranda, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XII, 1976
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5 Comentários
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  1. Ao amigo Wagner Pyter:
    O primeiro passo será comparecer a Audiência Pública de segunda-feira marcada para às 19 horas na sede do Caballeros de Santiago. A partir daí poder-se-ia traçar as próximas metas. Só lhe digo uma coisa, os empresários do setor imobiliário estão anos-luz na nossa frente, e ainda contam com a força da grana para abrir caminhos.

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  2. nem tanto assim, algumas pessoas estão se organizando um ano inteiro.. até a universidade tá indo aos debates. só falta mobilizar a comunidade...

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  3. Mobilizar a comunidade é que está sendo uma tarefa difícil. Dificílima.

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  4. Parabéns a Wagner por essa postagem, acho que tudo mundo deveria assistir a esse vídeo, uma vergonha!E o PDDU da Copa se não tiver realmente uma grande mobilização será aprovado da mesma forma. Infelizmente não vou poder participar da audiência pública de segundo porque não estarei em Salvador,mas gostaria de contar com a colaboração dos amigos para postar no Blog o resultado da reunião.

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