Rápido como quem rouba ( por Cristiano Teixeira)

Cristiano Teixeira é morador antigo do Rio Vermelho , filho do artista Floriano Teixeira( já falecido),  ilustrador dos livros de Jorge Amado, de quem era amigo. Ele é  escritor  e é um notório  observador do cotidiano.  Invariavelmente transforma fatos, a maioria vivenciados por ele, em contos com uma pitada de bem-humorada, que torna seus escritos bastante atraentes. As  publicações ele posta  no  Blog “Cartas do Meu Moinho”, e algumas delas republicadas neste BlogRV. 


Cristiano Teixeira 

Nem bem se desbotava de minha memória a lembrança das semanas de arrastões desenfreados no Rio Vermelho, ocorreu um fato que reacendeu em mim o medo que é andar pelas ruas de Salvador, a qualquer hora do dia ou da noite.

Eu estava chegando cedo ao centro da cidade, numa hora em que as lojas ainda estavam fechadas, mas não faltavam mais que quinze minutos para que o comércio abrisse ao público. Ônibus em que eu ia virou no Politeama e vi pelo rabo do olho, no lado de fora do veículo, uma pessoa que corria feito uma bala. Aquilo me chamou a atenção e virei-me para o lado para observar melhor. Era uma corrida desesperada, que estava longe de ser um mero exercício físico matinal, coisa de atleta. Não demorei para tirar conclusões sobre que tanta pressa seria aquela.


O coletivo parou e desci no primeiro ponto do Politeama. Mal pus os pés na calçada, um vulto entrou pela porta em que eu saía; a porta dos fundos é usada para sair e não para entrar no ônibus. Era um jovem que não tina intenção alguma de pagar pela passagem, como fazem aqueles que entram pela saída do ônibus. Virei-me, já na calçada, e ele também, como se pretendesse sair do ônibus, embora a sua intenção fosse a de fazê-lo em outra parada. Ele fez uma expressão aliviada, soltou um “ufa” e revirou os olhos enquanto enfiava no cós da bermuda um grande aparelho celular que só agora eu percebia que tinha na mão. A porta do ônibus de fechou e me dei conta do que estava acontecendo.

Não demorou muito e veio correndo em minha direção uma jovem com a expressão de desespero estampada no rosto. Logo atrás dela corriam outros populares, provavelmente solidários a ela, ou meros curiosos em busca de assistir a uma confusão.

“Ele entrou no ônibus”, gritei para a vítima, a jovem.

Ela continuou correndo e seguiu o ônibus que parou a dois metros de onde partira, por causa do semáforo que fechou o trânsito. Bateu seguidas vezes na porta de saída do ônibus, que se abriu para que ela entrasse. Ao mesmo tempo que por uma das janelas do lado oposto, o jovem ladrão de celular pulava em fuga numa cena espetacular. Correu entre os carros e sumiu de nossas vistas. Dentro do ônibus ouvi gritos de regozijo; para evitar a perseguição da moça obstinada, o delinquente deixou para trás o celular.

Aquele foi só mais um percalço da vida de um ladrão. Ele deu a volta no quarteirão o voltou ao seu posto de tocaia, à espera da próxima vítima, fato que acontece um minuto sim e outro também na insegura Salvador. Já se foi o tempo em que esta era a terra da felicidade.

Rio Vermelho, 27 de julho de 2023.

( texto reproduzido do Blog Cartas do Meu Moinho)


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