Ecos do passado II - A lição não aprendida

Uma notícia recolhida no primeiro jornal da Bahia e segundo do País, A Idade do Ouro do Brazil, publicada há 196 anos, mostra que as chuvas causavam desabamentos de encostas em Salvador, basicamente pelos mesmos motivos dos dias de hoje, o crescimento desordenado da urbe, o desmatamento das encostas. Vejam a notícia com a grafia da época

Idade do Ouro do Brazil - 18.06.1813 

No dia 14 do corrente à huma hora da tarde acontece aqui hum desastre, que tem consternado toda a cidade, e cuja perda ainda não se pode bem calcular.

A ribanceira, que se eleva em frente ao Trapiche do Barnabé ao Pilar, desabou de improviso com tal porção de terra, e com tal ímpeto, que só escapou aquella metade do Trapiche, que demora para a banda do mar. A rua ficou entulhada de hum grande monte de terra, e de arvoredo, que cobria a ribanceira, e as casas, que fazião o fronte-hospicio do Trapiche ficarão demolidas. Morreram algumas pessoas, que nesse momento passavão pela rua; e das que habitavão as sobreditas casas mui poucas escaparão a muito custo, e maltratadas. Tocou-se logo o rebate, e o Excellentíssimo Senhor Conde Governador foi o primeiro, que appareceo em cima daquelle montão de lastimosas ruínas. O seu exemplo, e preceito chamou alli toda a Officialidade militar, e d’entre ella distiguirão em trabalho, acompanhando sempre ao Excellentíssimo Senhor Conde o Tenente Coronel Cosme Damião da Cunha Fidie; o Major do dia Manoel Gonçalves; e o Capitão da Legião Pedro Joaquim de Lacerda concorrerão muitos piquetes, e trabalhou-se com tanta actividade, que ainda se tirarão algumas pessoas vivas. Continua-se a trabalhar no desentulho, que he obra de muitos dias; e como algumas casas edificadas no cimo da ribannceira ameaçavão maior ruína, o Excellentissimo Senhor Conde Governador tratou logo de se mandar arriar.

As grossas chuvas dos dias antecedentes concorrerão para esta desgraça; porém a sua causa primeira he o furor de levantar grandes edifícios na eminência, que domina a Cidade baixa, a qual está cheia de vertentes d’agua, que insensivelmente vão dissolvendo a terra, e aluindo a rocha. A cultura de capim, que se tem feito pela encosta também concorre grandemente para estes desastres, porque se tem arrancado os arbustos naturaes, cujas raízes por muito compridas, e rijas penetrão, e consolidão a terra. Porém estas reflexões só lembrão depois do mal succedido, daqui a poucos dias tudo esquece, e só a Natureza se não esquece de hir de quando em quando punindo a nossa ignorância e a nossa temeridade.

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8 Comentários
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  1. Realmente a maior diferença daqueles tempos pra hoje é a linguagem e o formato dos textos jornalísticos. Mas problemas são os mesmos.

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  2. Bem pinçado o artigo , e bastante atual. É como você diz : só variam a liguagem e o tipo do texto . O resto, é um repeteco ...

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  3. Nossa, Biaggio! A atualidade do texto chega a assustar. quase 200 anos depois e os problemas são os mesmos, só mudam os nomes das autoridades. Uma prova de que essas tragédias são anunciadas, uma vez que totalmente previsíveis. Grande contribuição pra esse blog que tá cumprindo seu papel e fazendo a diferença.

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  4. Antes de mais nada, parabéns por esta bela pesquisa bt. Será um livro interessante, não só para verificarmos a estagnação e a inércia dos políticos, mas da massa controloda que a quase 200 anos não aprendeu a mobilizar-se, a reinvindicar e exigir, não só seus direitos, mas o dever da lisura, do caráter, da ética, da transparência e da responsabilidade em lidar com verba e cargos públicos.
    E para os otimistas...se tá melhorando...com certeza é a passo de tartaruga.
    POlicia Civil em greve e Wagner na TV insiste que está tudo sobre controle, ele com certeza tem onde dormir depois dos estragos causados pela chuva. Se estes excluídos do sistema invadíssem o Palacete que ele ocupa com seu Jardim Zoológico quase particular, mas que mesmo assim está abandonado, sujo e inadequado para quase metade de seus animais. Mas também né, que eu me lembre, nunca foi diferente, mas isso não importa porque só deve ter no máximo 30 anos, rsrsrrs.

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  5. É, Mônica, até a indefectível visita das autoridades no local da tragédia continua a mesma...

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  6. E aí, Carmela, aproveitando bem a viagem? Por aqui tá tudo no mesmo, como vc já percebeu. E o blog cada vez mais cumprindo seu papel. Muito bom.

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  7. Todo ano isso acontece e o povo pobre sofre. São famílias chorando suas perdas materiais e pessoais. O que acontece ? Nada . Essa mesma população ajuda a eleger os mesmos politicos de sempre. Se continuar assim, pode publicar esse texto em 2109 que ele será atual.

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