A Colônia Real

 Por Diogo Tavares, jornalista, escritor e morador do Rio Vermelho  

O que começou com uma busca pelas origens familiares revelou não apenas quatro bisavôs italianos, mas uma história de coragem, exploração, preconceito, segregação e superação. Um projeto inicialmente pessoal, que desvendou personagens surpreendentes, fatos inusitados e até armações governamentais, sintetizados na trajetória de uma colônia fundada com o objetivo de ser modelo da imigração no império de Dom Pedro II. Assim, a pesquisa resultou no livro A COLÔNIA REAL – História do núcleo modelo da colonização no império de Dom Pedro II (350 páginas, editora UICLAP).
Foram muitas surpresas e correções de crenças estabelecidas na tradição oral. 

A primeira grande revelação foi que o município de Porto Real (RJ), conhecido hoje pela forte tradição dos imigrantes italianos, não surgiu com colonos desta nacionalidade (aliás, lombardos, piemonteses, emilia-romanos, entre outros, pois emigraram antes da unificação da Itália, em 1862). Caso único do programa de colonização do Império do Brasil, a colônia foi fundada em maio de 1874, nove meses antes da chegada dos italianos (fevereiro de 1875), e tinha o objetivo assumido de abrigar imigrantes de várias nacionalidades visando promover um exemplo de sucesso da imigração, mostrando assim como o Brasil era um bom destino para aqueles que desejavam deixar o continente europeu.

Inicialmente os lotes de terras foram distribuídos para cidadãos na maioria de origem francesa ou suíça, além de espanhóis, portugueses e uma família inglesa. Oficialmente os italianos foram mandados ao local para ficar de “quarentena” até que reduzisse a incidência de febre amarela que assolava o Brasil. Ocorre, no entanto, que houve a determinação de arregimentar exatamente 50 famílias do norte da Itália e na fundação da colônia se levantou precisamente a disponibilidade de área para mais 50 lotes.

Outra diferença da maioria dos núcleos de colonização na época é que a colônia de Porto Real foi implantada em uma fazenda pertencente ao próprio governo e que possuía até um engenho sucateado, que o império se comprometia no estatuto de fundação a reativar. O terceiro detalhe foi implantar o núcleo perto da estrada de ferro e da corte, para uma maior fiscalização do poder público, evitando problemas que vinham ocorrendo em muitos assentamentos em fazendas particulares de regiões remotas, onde o péssimo tratamento dos proprietários vinha prejudicando a imagem do país como destino de imigrantes. É importante lembrar que somente em 1888 o Brasil deixou de ser um país escravocrata e as garantias contratuais e trabalhistas eram muito precárias.

Três meses após chegar, os italianos pediram ao governo para ficar definitivamente naquelas terras e foram rapidamente atendidos. Mas o que parecia um benefício, o governo como credor, acabou se tornando uma armadilha. A maioria dos imigrantes confiou na promessa de ativação do engenho e optou por plantar cana. Acabariam perdendo parte da safra diante da morosidade oficial em viabilizar o maquinário. Além disso, cinco anos após ser fundada a colônia foi emancipada, com o império passando a concessão do engenho a um empresário português, Ângelo Eloy da Câmara, que ganhou ainda monopólio na produção e beneficiamento, privilégios no transporte ferroviário e até o direito sobre as terras adquiridas pelos imigrantes a título de hipoteca. Tais poderes incluíam questionar se os lotes estavam sendo cultivados conforme o contrato e retomar as terras daqueles que não tornassem suas propriedades adequadamente produtivas. A concessão seria duramente criticada pelos jornais de oposição.

Seguiu-se uma temporada de perseguições e conflitos, durante a qual muitos franceses abandonariam seus lotes, com uma grande parte até retornando ao país de origem. Somente um navio deixou o porto do Rio com cerca de 350 franceses para ser repatriados. Já os italianos chamariam os primeiros senhores do engenho de “patronos do tronco e do autoritarismo”, lembrando o tratamento que os mesmos senhores davam aos seus escravos. Com uma presença forte dos jornais publicados no Brasil em língua italiana, onde a colônia de imigrantes crescia rapidamente justamente por causa das guerras de unificação na Península Itálica, e boa cobertura da imprensa da corte, os colonos pressionaram o governo e conseguiriam gradualmente estabelecer condições mais humanas ; para os que cultivavam cana como para os que trabalhavam diretamente no engenho.

Além de contar a evolução da colônia até os dias atuais, o livro revela detalhes dos seus grandes patronos. É o caso de Clementina Tavernari, que teve que se exilar após a revolta do Piemonte de 1848 e chegou ao Brasil em 1851 com o nome de Adelina Malavasi, na companhia do flautista pioneiro Achille Malavasi, e Enrico Secchi, professor primário contratado para organizar a viagem dos imigrantes no final de 1874, que se tornou depois um dos pioneiros da indústria paulista (Pastificio Fratelli Secchi), ajudou a fundar o Hospital Umberto I (depois Matarazzo), o Banco Popular Italiano e, como presidente, promoveu a compra da primeira sede do Circolo Italiano, sendo agraciado pelo império italiano com o título de comendador.

Não foram poucos os desafios dos imigrantes e seus descendentes ao longo dos anos. Durante a Segunda Guerra Mundial os italianos foram impedidos de deixar o distrito sem um salvo-conduto da autoridade policial e alguns, saídos da pátria muito antes da ascensão do fascismo, chegariam a se naturalizar brasileiros. Seguiu-se o começo da industrialização e o fortalecimento da cultura italiana, que se tornou hegemônica ao longo dos anos. Esta grande identidade seria um dos principais componentes na separação administrativa de Resende e transformação em município em 1995. Enfim, a história de uma pouco conhecida colônia ‘multinacional’ ajuda a compor um mosaico da imigração no final do império e primeiros anos da república, os desafio s e superação dos colonos, a composição da diversidade cultural brasileira e o papel do imigrante no desenvolvimento econômico do país ao longo do Século XX. Uma leitura essencial para quem quer compreender as motivações, os desafios e as contradições da imigração no Brasil, assim como saber um pouco mais sobre personagens pouco conhecidos que ajudaram a construir esta história.
Eu sou DIOGO TAVARES e meu livro, A COLÔNIA REAL, está à venda através do link: https://loja.uiclap.com/titulo/ua41927. Caso tenham interesse em mais informações, meu e-mail é diogotav@uol.com.br. Um forte abraço!Diogo Tavares(71) 99320-9978


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