Mudança do Garcia- Mais antiga do que as escolas de samba

Os moradores do Garcia estão comemorando, muito merecidamente, 90 anos de saída da sua mudança, que vai às ruas nas manhãs das segundas-feiras de Carnaval. Pelo inusitado de ser o único sobrevivente dos chamados “blocos de sujos”, constitui-se, sem sombras de dúvidas, na maior atração deste dia. Estes blocos multiplicavam-se no centro da cidade, vindos de diversos bairros, num passado cada vez mais distante, onde predominava o lema “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”.

Estas entidades caracterizavam-se por serem blocos sem cordas, onde não havia distinção de cor ou de classe social. Vai quem quer era a filosofia. Com ou sem fantasia e sem ter que pagar taxa para se distrair, as despesas eram cotizadas entre os organizadores e a própria comunidade, com a ajuda de políticos comprometidos com o bairro, à exemplo do saudoso Ebert de Castro, na Mudança do Garcia e de lideranças da comunidade, com destaque especial para o popular Lorito, reorganizador e principal incentivador desta agremiação quase centenária que aqui homenageamos.

Fantasiados, mascarados, travestidos e travestis destacavam-se pela maneira jocosa como se apresentavam, a pé, montados em animais, em cima de carroças, de carros ornamentados ou de bicicletas.

Outra característica da maior importância era a liberdade de expressão, manifestada através de tabuletas, faixas, cartazes e camisas, tecendo, quase sempre, as mais mordazes críticas aos governantes, em débito com o povão. Muitas destas características ainda prevalecem na Mudança do Garcia.

Estas e outras manifestações do povo baiano, presentes nas festas populares, estão sendo alvo de pesquisas, que estamos realizando num projeto de história oral/documental. Este projeto deverá resultar na publicação de um livro, objetivando reforçar as suas revitalizações.

Nessas nossas pesquisas descobrimos, inclusive, que existiam diversas Mudanças, organizadas em bairros populares, sendo famosas as de Coutos, Plataforma, Massaranduba e Rua Nova do Queimado. Descobrimos também que a MUDANÇA DO GARCIA é bem mais velha do que imaginávamos, pois saiu pela primeira vez no domingo de Carnaval, 27 de fevereiro de 1927, há 90 anos, portanto, e dois anos antes de ir às ruas a primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, fundada no dia 12 de agosto de 1928, e que foi às ruas pela 1ª vez no Carnaval de 1929.

A MUDANÇA e o bloco BACALHAU NA VARA, que sai na Micareta de Feira de Santana, também de 1927, são as entidades carnavalescas mais antigas que até então identificamos, ressaltando-se que a segunda desfila numa Micareta.

Como a imprensa noticiou:

A Tarde, sábado, 2 de fevereiro de 1927 - pag 02
O CARNAVAL NÃO ESPERA
O Garcia em mudança - Será um cordão carnavalesco interessante e curioso que romperá o carnaval. O Garcia mudar-se-a completamente e fará ruidosa passagem pela cidade. Vão se mudar para a hospedaria do Eloy em Santo Antônio.

A Tarde, sábado, 26 de fevereiro de 1927 - pag 02
O EPHEMERO REINADO QUE TRANSTORNA AS CABEÇAS
Cordões e blocos - São numerosos como sempre os cordões e blocos carnavalescos conforme temos registrado. Amanhecerá na rua por exemplo, às primeiras horas o Garcia em Mudança, não ficando um pote velho e cadeiras quebradas do populoso bairro.

A Tarde, segunda feira, 28 de fevereiro de 1927  - pag 01
A TARDE E  O CARNAVAL
Como amanheceu ontem o Carnaval - Facto invulgar, as ruas da cidade amanheceram cheias de povo à espera de Deus Momo.  Realmente pouco antes das 7 horas appareciam com charangas, caixas e bombos os seguintes cordões: “Garotos em Folia”, “Alliados em Folia”, “Melindrosas”, “Charlestomania Carnavalesca” e “Mudança do Garcia”.

*Gildásio é escritor, historiador, sócio efetivo do 
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia-IGHB e 
diretor do Patrimônio Artístico e Cultural 
na Academia de Letras e Artes de Lauro de Freitas. 

Mudança do Garcia- Mais antiga do que as escolas de samba
Por Gildasio Freitas*

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