Saudades de Noel

 Por Clarindo Silva*

Com este título desde 4 de maio de 1977, aqui na Cantina da Lua, no Pelourinho, fazemos uma homenagem a Noel Rosa, o Poeta da Vila. Estimulado pelos amigos Giuseppe Talento e Gildásio Freitas, dois grandes admiradores do Poeta da Vila, eu que já era admirador de Noel, passei a pesquisar e juntar amigos como Júlio César de Assis, o imperador, Silvio Mendes, Rêmulo Pastore e outros tantos amigos, em casa lotada. Tinha disputa entre os músicos para tocar nesta data, especialmente no ano em que o radialista parceiro nosso nesta luta pela revitalização do Centro Histórico, Adelson Alves, da rádio Globo, transmitiu o evento em rede nacional. Todos nós sabemos que Noel Rosa nasceu de parto de fórceps, o que ocasionou afundamento do seu queixo.

Na escola, os colegas o apelidaram de queixinho, o que o incomodava muito, porém, como toda pessoa inteligente, buscou transformar as coisas negativas em positivas. Noel talvez tenha tirado isso de letra, pois aos 14 anos já sabia tocar violão e violino e o fazia nos intervalos das aulas, atraindo um bom número de admiradores. Apesar de morar num bairro de família de classe média e viver numa época em que ser sambista, capoeirista ou candomblecista era crime, Noel, dentro de sua visão de mundo, enche a sua casa de amigos e compositores dos morros e ainda novo tocava nas noites e começou a compor verdadeiras joias da música popular brasileira.

 Sua fama começou a se espalhar entre as rodas de artistas, até que foi convidado a integrar o bando dos Tangarás. Ao lado de Almirante Braguinha, gravou "Mulher Exigente" e aí vieram vários sucessos como "O Último Desejo", "Palpite Infeliz", "Com que Roupa", "O Gago", "Seu Garçom" e tantos outros sucessos que o imortalizaram. Quatro de maio é dia de festa aqui na Cantina da Lua. Já tivemos até missa na Igreja de São Pedro dos Clérigos celebrada pelo saudoso Padre Hélio Rocha e depois por Monsenhor José Hamilton, cujas homilias eram de arrepiar! À noite, às 20 horas, eu fazia uma palestra falando da trajetória de Noel, desde o nascimento, até os momentos da tuberculose, que ceifou sua vida.

 Noel fumava de maneira incontrolável. Noites e mais noites mal dormidas. Mesmo depois do casamento, sua mãe escondia suas roupas, para ele não sair. Daí veio a origem da letra de "Com que Roupa". O médico da família o aconselhou a morar em Minas Gerais, onde ele continuou as farras. Tinha verdadeiro pavor à injeção! Se queixava muito e tendo que deixar de fumar entrou em depressão, voltando ao Rio. Já sem muitas forças para enfrentar a vida de boemia, no dia 4 de maio, às 20 horas, tamborilando sua mesa de cabeceira, dá o último suspiro.

 Para a classe artística parecia que o mundo tinha desabado, mas por ironia do destino, após a morte é que veio o mais estrondoso sucesso, com grandes artistas gravando as suas canções. Há quem diga que a Aracy de Almeida era a sua grande intérprete, mas Chico Buarque, Nara Leão, Dóris Monteiro, Gil, Caetano, Bethânia, Wando, João Nogueira, entre outros também fazem parte dessa história. Lembro com muita emoção das noitadas aqui, onde sob a Batuta de Davi da Viola, Sr. Canhoto, Sr. Wilson do violão, cantores como Bob Laô, Tuninha Luna, Claudete Macedo, Miriam Tereza, Tânia Rosemberg, enchiam a nossa casa de alegria! Lembro do entusiasmo de Giuseppe Talento, que parecia um menino, juntamente com a família, que fazia questão de trazer, apesar do preconceito, reservavam as primeiras mesas. Fechava seu estabelecimento, Restaurante Casa de Itália e era aqui que fazia a festa! Hoje, certamente em outro plano deve ter se encontrado com Noel. De você sinto muita falta! Que Deus continue iluminando o seu espírito e que se junte aos outros irmãos de luz, para livrar a humanidade desta pandemia.

*Clarindo Silva

Escritor, jornalista, poeta, empreendedor.

                 Clarindo Silva com os amigos Giuseppe, Gildásio e Bororó em evento na Cantina da lua 
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