Todos homens são iguais, mas alguns são menos iguais que os outros

Esta rua é no Bairro da Barra – aquele do famoso e bonito Farol! Fotografei enquanto esperava – já havia se passado uns 40 minutos – um ônibus!

Quando cheguei, parei na calçada e enquanto esperava, um guardador de carros apareceu dizendo “com licença, com licença” e abria caminho entre as pessoas para liberar espaço para um carro estacionar…

Pouco depois, uma senhora, obrigada a caminhar pela rua, empurrava um carrinho com seu bebê dentro. Um carro atrás dela começou a buzinar até fazer o bebê chorar… Enfim! Assim mesmo, intransitivo.

Recentemente, participei de uma manifesteção pública contra a privatização do Elevador Lacerda (!) onde se ouviu um grito muto frequente e pouco eficaz em Salvador: o famoso “FORA JOÃO”. É muito claro para qualquer soteropolitano o abandono da cidade, em termos de gestão. Contudo, sinto dizer, o abandono se dá primeiro por parte dos seus cidadãos. João Henrique não é pior do que qualquer outro prefeito – inclusive foi reeleito, o que indica que pelo menos de marketing ele manja.

Pergunto-me quem são, afinal, os vândalos mais perniciosos de Salvador, e me sinto tentado a responder: os vândalos de Salvador dirigem veículos novos, pagam impostos, as vezes trabalham em bons empregos, e votam.

Outro dia vi, no trânsito lento da Avenida ACM, um côco verde com canudo e tudo ser atirado da janela de um carro que estava logo a minha frente! Um braço feminino o lançou à rua, sem a mínima cerimônia – e o carro era caro!

Infelizmente, as classe médias e suas variantes mais remediadas, que sempre culparam os pobres por sua própria pobreza, a periferia pela sujeira, os jovens das favelas pela violência – essas classes médias inúteis, nocivas, que frequentam universidades, clubes e shoppings, são formadas, não raro, de vândalos da pior estirpe: aquele que é burro, corrupto e reclamão.

É óbvio que Salvador é uma cidade cheia de pobreza e de pobres, com uma gestão pública municipal inexistente e capital de um Estado governado por um neo-carlismo de voz bêbada.

Mas é uma cidade rica em escassez e, talvez por isso mesmo, em criatividade. Toda a criatividade, toda a vida, toda a música, toda alegria dessa cidade vem das periferias. Um dos passeios mais agradáveis da cidade é pegar o trem em Plataforma, ali na praia da Suburbana, ao lado da Ribeira! Tudo isso na Cidade Baixa, numa região que é a mesma coisa que era há 50 anos em termos de intervenção da gestão municipal ou estadual. Toda melhoria pública que a região conquista é mérito de seus próprios moradores.

Está na hora de crescermos, no sentido da palavra que vai além da demagogia dos políticos criminosos que ocupam hoje o Poder. A Bahia é o exemplo maior de ativismo e importantes levantes heróicos no Brasil. Desde a invasão dos Portugueses e o extermínio sistemático de índios (que perdura até os dias de hoje por parte dos Governos), é uma terra de exploração de riquezas e de gente na forma mais bárbara, a escravidão, com Pelourinho e tudo. Mas se até aqui não conseguimos acabar com a exploração e a matança, também nunca paramos de lutar: desde a Conjuração baiana, a Independência da Bahia, a revolta dos Malês, a Sabinada, a impressionante comunidade guerreira de Canudos, exterminada pelo Estado e, por que não, a revolta do Buzú!

Há força e coragem de sobra por aqui! Há, com toda escassez e violência que séculos de descaso e esculhambação política nos legaram e que nos castigam até hoje, há por aqui heróis dos mais autênticos: aqueles que vivem, enfrentam e se alegram nas ruas, nos morros e nos bairros de Salvador.

“Fora João” para quê? Para depois gritar “Fora Pelegrino”, que certamente trará piores pragas para a nossa cidade?

Primeiro assumamos a nossa responsabilidade, porque, infelizmente, numa cidade ou num país em que desrespeitos tão mesquinhos acontecem de forma tão natural como o que descrevi e ilustrei no início deste texto, não haverá solução através do simples e estúpido ato de votar. Um voto não é uma opinião – é apenas um gesto para delegar poder a alguém (sabemos como é).

Vamos votar, por mais canalhas que se nos apresentem como candidatos ao controle dos privilégios escusos da cidade. Mas atentem candidatos – e não há hoje na Bahia um só nome na esfera institucional que não seja no mínimo mal caráter, – como dizia, atentem: um movimento está nascendo, um povo autenticamente heróico, de tradição guerreira e de lutas até o fim, está a despertar de uma letargia que já não cabe no espírito baiano.

Não é o prefeito, um mero sintoma torpe de nossa doença social, o inimigo maior. O Inimigo é essa letargia, essa submissão aos pequenos subornos – mesmo legais – que tanto caracterizam as classes médias, essa vontade de pequenos privilégios estúpidos em lugar de uma comunidade baseada em direitos, tudo isso enfim, que compõe o universo essencial das classes médias.

As periferias sempre estão nas lutas, na resistência contínua e perpétua. É hora, porém, de aqueles que usufruem dos injustos e imerecidos privilégios assumirem o seu lugar na luta – porque a coisa está começando. O vetor de decisão é a honestidade – para com a comunidade, com o futuro e sobretudo para consigo mesmo.

Decidamos Salvador e querida Bahia de todos os levantes: acovardar-se por conta dos incipientes privilégios aceitando os pequenos subornos do Poder explorador e mentiroso? Ou lutar por direitos autênticos que construam uma sociedade com verdadeiro sentido comum?

Vamos Salvador., assuma o seu lugar! E repito aqui o que sempre digo aos amigos: as coisas acontecem mesmo é nas ruas! Só nas ruas…


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5 Comentários
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  1. ..."A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real"...
    Ruy Barbosa.

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  2. Em marcha contínua:

    http://boitempoeditorial.wordpress.com/2011/10/11/a-tinta-vermelha-discurso-de-slavoj-zizek-aos-manifestantes-do-movimento-occupy-wall-street/

    Otavio

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  3. Contribuindo com mais um texto elucidativo:

    NBR 6023:2002 ABNT

    BOTELHO, Jeferson. A impunidade dos sociocidas como direito de sétima geração. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em:

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  4. http://jus.com.br/revista/texto/20204/a-impunidade-dos-sociocidas-como-direito-de-setima-geracao

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