O texto abaixo é do professor e Cientista Politico Paulo Fábio Dantas, um dos mais brilhantes de minha geração, que tem se dedicado a analisar de forma realista a atual conjuntura politico baiana e de modo especial a situação de Salvador. São vários artigos publicados na mídia local e nacional. Nessa mensagem informal que ele dirigiu a uma lista de amigos estão argumentos irrefutáveis sobre a validade do mobilização que teve inicio nas redes sociais. Pelas razões expostas, se Paulo vai para a passeata do dia primeiro de fevereiro, eu também vou e acho que você também deveria ir.
Amigo(a)s,
Vocês estão com planos concretos, talvez um vago desejo ou, pelo menos, uma curiosidade de ir à passeata do assim chamado movimento “Desocupa Salvador”, marcada para quarta-feira, às 16 horas, do Campo Grande à Praça Municipal, saindo do TCA às 16 horas?
Eu irei à passeata (mesmo sem saber direito o que se quer desocupar e o que se pretende que fique no lugar) porque cheguei à conclusão de que, se for mantida na rotina do banho-maria, essa eleição de outubro não vai produzir nada de qualitativamente diferente do que aí está.
E digo isso não porque abomine eleições, ou partidos, mas exatamente pelo contrário: continuo valorizando partidos e gostando muito de eleições, mas creio que precisamos dar a essa próxima um sentido que no momento lhe falta. Se mantido o banho-maria, o que podemos esperar? 1. Uma provável vitória do PT, que consolide a sua hegemonia, isto é, nos oferte um aparelho três em um (Brasil, Bahia e Salvador) para tocar, com som abafado, uma partitura monocórdia capaz de gerenciar com verniz politicamente correto a entrega da cidade a corporações econômicas, que hoje é feita pelo nosso alcaide e seus empresários políticos terceirizados de modo tosco e em volume estridente; ou 2. O incerto sucesso eleitoral de uma aposta aventureira numa personalidade midiática politicamente outsider e requentada para ser apresentada, como foi no passado, como uma solução oposicionista. Diante dessas duas sombras no horizonte, o que fazer? Em outubro, num segundo turno, apenas escolher o que nos parecer “menos pior” ou, no máximo, anular o voto, no que certamente teríamos a companhia de uma ínfima minoria. Mas agora, nove meses antes, talvez haja modo de tentar fazer com que uma mobilização de cidadãos, tal qual um espermatozóide bêbado (bêbado no bom sentido, no sentido dos amantes do bem viver, portanto, não se assustem os amantes da lei seca), drible o Dispositivo de Interdição Urbana (a sigla DIU será coincidência?) e termine fecundando o ambiente politicamente esterilizado da nossa cidade.
Os que me conhecem mais de perto sabem das cautelas que guardo em relação a movimentos aparentemente horizontais que podem servir, no fim da linha, a pescadores pragmáticos de águas tornadas turvas e revoltas por uma indignação advinda de uma suposta espontaneidade. Não sejamos ingênuos e saibamos que a partir de um movimento desses pode acontecer tudo, inclusive nada (esta última, aliás, pode ser vista como a hipótese mais provável). E que, para além do nada, há outras hipóteses nada preferíveis, como a “movimentação cidadã” ser instrumentalizada pelo PT e sua rede governante para pavimentar mais facilmente a vitória do seu candidato nas eleições de outubro, após o que um “voto de confiança” dos “setores organizados” ao novo governo faria voltar a vigorar a paz do silêncio cúmplice, em troca de um punhado de mesuras e benesses.Perigos? Sim, a vida é perigosa. Mas preferível a qualquer morte, ainda mais à morte inglória, lenta e resignada.
Trocando em miúdos: se for realista a profecia do candidato Nelson Pellegrino de que chegou a vez de Salvador ser governada pelo PT, não creio que qualquer primavera seja capaz de evitar que chegue esse verão cheio de estrelas. Mas pode fazer muita diferença (para o PT ou qualquer outro partido) governar com ou sem a fecundação do ambiente político pela movimentação social. Um pouco da história política mais ou menos recente de Salvador pode ilustrar o que tento dizer: falo do tempo do prefeito carlista nomeado Manoel Castro, que administrou por três anos (1983, 1984 e 1985) uma cidade em crise, com apoio (discutível) de apenas 7 dos então 33 vereadores e a oposição nítida de quase todos os demais 26. Naquele contexto, nem o famoso chicote nem a bolsa do chefe político do grupo carlista foram acionadas para tornar a vida do prefeito mais fácil na Câmara.

Então, na impossibilidade de se ter, no momento, um partido ou movimento político capaz de unir forças sociais e urbanas para sustentar uma candidatura eleitoralmente viável que expresse uma efetiva mudança de rumo para Salvador, penso que a alternativa disponível ao cinismo ou ao tédio resignado é apostar numa mobilização pré-eleitoral que possa minimamente disputar, com o corporativismo de grupos políticos e econômicos, a influência sobre as condutas dos candidatos e dos futuros eleitos à Prefeitura e Câmara. Mesmo que mais adiante essa pretensão se revele irrealista, ou mesmo presunçosa, talvez se possa, ao menos, inibir, nesse bem vindo ano eleitoral, a consumação mais radical do saque que vem se fazendo contra o patrimônio financeiro, urbano, cultural e moral da nossa cidade.
Por isso penso que podemos ir à passeata na quarta-feira, pensando em Fernando Pessoa:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Abraços,Paulo Fábio