No último sábado, 27 de junho de 2015, aproximadamente às 12h. e 30 mins., eu e minha esposa fomos abordados em nosso carro por dois sujeitos armados com revólveres – cada um em uma janela –, cerca de 25 metros após passarmos pela cancela do estacionamento do Mercado do Rio Vermelho (Ceasinha). O semáforo estava fechado, alguns ônibus ainda obstruíam metade da pista e os criminosos encontraram, então, um ambiente bastante propício para executar sua ação. Acontece que eles não queriam nossos pertences, a intenção de ambos era nos levar como reféns. O que estava ao meu lado, foi logo anunciando:
- Você vai levar a gente daqui, agora! – enquanto mostrava o revólver. O outro nada disse, apenas apontava o seu revólver no rosto da minha companheira.
Confesso que o pânico de ter armas apontadas tomou conta de mim quase por completo, mas o pânico de levar os dois no carro e, a partir de então, deixar o meu destino nas suas mãos, foi ainda maior.
- Meu amigo, você pode levar o carro, tudo que a gente tiver aqui, mas eu não vou levar vocês. – disse eu, com as mãos levantadas para o alto, com muito medo, mas firme.
- Você vai levar a gente na boa! – disse o assaltante, estalando a língua e num tom mais firme.
Em estado ainda maior de pânico, insisti:
- Não, velho, pode levar tudo aí, mas não vou com vocês não.
Enquanto isso minha companheira já entregava o celular ao outro assaltante. Comecei, então, a abrir a porta do carro, fazendo minha companheira entender que ambos saltaríamos e não iríamos, em hipótese alguma, seguir com eles. Neste momento, estranhamente, ambos os meliantes começaram a andar para o lado contrário do trânsito, desistindo de continuar a ação. Rapidamente fechei a porta, os vidros do carro e, como o semáforo abriu e o trânsito fluiu, disparei com o carro até parar no Hospital Aliança.
Após realizar alguns procedimentos habituais nesses casos (bloquear conta e aparelho, ligar para tomar orientações de como proceder, tomar um pouco d’água, respirar, etc.), retornamos à Ceasinha, pois lá há um posto da Polícia Militar. Infelizmente, não havia policiais no local, pois todos estavam em horário de almoço. Os seguranças da Ceasinha tomaram conhecimento do caso e um homem que aparentava ser o coordenador disse que já havia percebido os sujeitos e que eles muito provavelmente teriam sido capturados pelas câmeras internas, uma vez que estava transitando pelo estacionamento momentos antes (isso, após darmos uma rápida descrição dos criminosos). O suposto chefe da segurança nos disse ainda que poderíamos partir em paz, pois ele passaria o caso para a polícia. Acho que ele agiu com a melhor das intenções, pois sabia que já havíamos passado por momentos estressantes e o melhor para nós é que fôssemos descansar um pouco.
Ainda aguardamos uns 40 minutos, mas, como nenhum policial voltou ao posto, informei o ocorrido pelo 190 e voltei para casa. Apenas o celular da minha esposa foi roubado. Nem o meu celular, nem meu relógio, nem meus óculos escuros, que estavam à mão deles e que eu entregaria sem pestanejar, caso fosse solicitado. Mas isso não ocorreu, evidentemente porque a intenção seria nos sequestrar mesmo.
No dia seguinte, minhas suspeitas quanto à intenção real de sequestro foram confirmadas. Li no Blog do Rio Vermelho uma notícia extraída do Jornal Correio, que ambos, pouco mais de uma hora depois do nosso caso, haviam trocado tiros com a Polícia Civil, no Rio Vermelho mesmo, com um refém dentro de um carro. O mais novo, com apenas 16 anos, morreu. O outro foi internado no hospital, baleado durante a ação. A reportagem dizia ainda que, junto com eles, foram encontrados 18 aparelhos celulares, cerca de R$ 200, além de diversos cartões e documentos de suas vítimas.
Ontem, sexta-feira (03/07/2015) finalmente tive tempo de me dirigir até a DHPP (final de linha da Pituba), para conferir, se, de fato, seriam os mesmos criminosos da reportagem e, neste caso, se recuperaria o celular da minha esposa.
O prédio do DHPP me pareceu muito bem organizado e limpo. Todos os funcionários, desde a portaria, foram extremamente educados e céleres. Rapidamente fui encaminhado ao setor que abrigava os celulares roubados e, rapidamente também, o funcionário – após perguntar marca e modelo do aparelho – encontrou o celular da minha companheira. Mostrei a Nota Fiscal, liguei o aparelho, inseri a senha e o mesmo logo foi destravado. O educado funcionário – que infelizmente não guardei o nome – e encaminhou, então, para o Delegado Marcelo Sansão. Fiquei completamente estarrecido com a figura serena e educada que compõe este agente da lei. Extremamente atencioso, de fala baixa e correta, tivemos algumas conversas amenas enquanto ele tomava o meu depoimento e realizava a liberação do aparelho. Lamentavelmente, num determinado ponto, ele me mostrou a foto de um garoto baleado e morto, perguntando, em seguida, se aquele seria um dos dois que praticara o assalto e a tentativa de sequestro. Mais lamentavelmente ainda, confirmei que era justamente o que estava ao meu lado. Ele tinha 16 anos.
Conversamos, então, como se era de esperar – uma vez que o assunto ainda está em voga –, sobre a redução da maioridade penal. Eu mantive firme, a minha convicção de ser contrário à mesma. Disse ainda, que já fui um cara mais duro, mas nos últimos tempos havia adquirido mais sensibilidade. Já Marcelo, confessou que, nessas circunstâncias em que hoje vivemos, ele se posicionava a favor e que, ao contrário da minha pessoa, ele passara por um processo inverso: antes era mais sensível, mas estava ficando cada vez mais endurecido. Calculei que tínhamos mais ou menos a mesma idade (eu farei 39 anos no final de 2015 e ele deve estar na casa dos quarenta). Sempre em tom leve a amistoso, escutamos os pontos um do outro. Em nenhum momento um tentou convencer o outro do contrário. Eu trabalho com cultura, ele, com segurança pública. Eu, acho que ninguém pode ser considerado irrecuperável – quanto mais um garoto de 16 anos –, a não ser que vá para a prisão e conviva com outros criminosos da pesada. Ele acha que a sociedade também não recupera essas pessoas e que, inclusive, ele costuma conversar muito com menores apreendidos para que eles saiam do mundo do crime, sobretudo quando estão sendo liberados, mas que ainda não encontrou resultados positivos e que, na maioria esmagadora das vezes, eles terminam cometendo outros crimes e muitas vezes morrendo, ao trocar tiros com a polícia ou outros marginais.
Agradeci ao delegado, que gentilmente falou que não estava cumprindo nada além das suas obrigações e nos despedimos.
Continuo com as minhas convicções. Certamente o delegado continua com as convicções dele. Continuarei também a frequentar a Ceasinha, pois gosto de cozinhar e lá ainda encontro para comprar, num bom ambiente, os ingredientes que preciso para fazê-lo. Aconselho aos frequentadores que, após lerem este relato, não deixem de frequentar também. Isto poderia acontecer em quase qualquer local de Salvador. Aos policiais lotados naquele posto, peço mais atenção e presença, para evitar que outro fato lamentável como o nosso volte a acontecer.
Quanto à minha reação, não aconselho qualquer pessoa a repeti-la. Agi daquela forma sem pensar direito, mas não sei se, em outras circunstâncias, os bandidos não teriam disparado. “Foi a atitude certa, porque deu certo. Também, se vocês estivessem no carro, em poder deles, não sei se sairiam vivos”, disse o delegado Marcelo Sansão, mostrando a foto do carro em que foram pegos os criminosos, com vários buracos feitos pelos projéteis durante a troca de tiros.
À polícia civil – em especial aos agentes que realizaram a ação do meu caso e ao delegado Sansão – só posso parabenizar e agradecer. Tenho certeza que a morte do menor foi um fato inevitável. E, apesar dos pesares, compadeço-me da dor dos seus parentes, neste difícil momento de perda. Lamento profundamente que crianças e adolescentes, muitas vezes por falta de oportunidades, enveredem por esse tortuoso e fatal caminho da criminalidade. Eles precisam de saúde e educação, não de prisões.
Mais um relato dramático de quem ficou sob a mira de um revólver no Rio Vermelho
julho 05, 2015
0
Tópicos: