
- Você vai levar a gente daqui, agora! – enquanto mostrava o revólver. O outro nada disse, apenas apontava o seu revólver no rosto da minha companheira.
Confesso que o pânico de ter armas apontadas tomou conta de mim quase por completo, mas o pânico de levar os dois no carro e, a partir de então, deixar o meu destino nas suas mãos, foi ainda maior.
- Meu amigo, você pode levar o carro, tudo que a gente tiver aqui, mas eu não vou levar vocês. – disse eu, com as mãos levantadas para o alto, com muito medo, mas firme.
- Você vai levar a gente na boa! – disse o assaltante, estalando a língua e num tom mais firme.
Em estado ainda maior de pânico, insisti:
- Não, velho, pode levar tudo aí, mas não vou com vocês não.
Enquanto isso minha companheira já entregava o celular ao outro assaltante. Comecei, então, a abrir a porta do carro, fazendo minha companheira entender que ambos saltaríamos e não iríamos, em hipótese alguma, seguir com eles. Neste momento, estranhamente, ambos os meliantes começaram a andar para o lado contrário do trânsito, desistindo de continuar a ação. Rapidamente fechei a porta, os vidros do carro e, como o semáforo abriu e o trânsito fluiu, disparei com o carro até parar no Hospital Aliança.
Após realizar alguns procedimentos habituais nesses casos (bloquear conta e aparelho, ligar para tomar orientações de como proceder, tomar um pouco d’água, respirar, etc.), retornamos à Ceasinha, pois lá há um posto da Polícia Militar. Infelizmente, não havia policiais no local, pois todos estavam em horário de almoço. Os seguranças da Ceasinha tomaram conhecimento do caso e um homem que aparentava ser o coordenador disse que já havia percebido os sujeitos e que eles muito provavelmente teriam sido capturados pelas câmeras internas, uma vez que estava transitando pelo estacionamento momentos antes (isso, após darmos uma rápida descrição dos criminosos). O suposto chefe da segurança nos disse ainda que poderíamos partir em paz, pois ele passaria o caso para a polícia. Acho que ele agiu com a melhor das intenções, pois sabia que já havíamos passado por momentos estressantes e o melhor para nós é que fôssemos descansar um pouco.
Ainda aguardamos uns 40 minutos, mas, como nenhum policial voltou ao posto, informei o ocorrido pelo 190 e voltei para casa. Apenas o celular da minha esposa foi roubado. Nem o meu celular, nem meu relógio, nem meus óculos escuros, que estavam à mão deles e que eu entregaria sem pestanejar, caso fosse solicitado. Mas isso não ocorreu, evidentemente porque a intenção seria nos sequestrar mesmo.

Ontem, sexta-feira (03/07/2015) finalmente tive tempo de me dirigir até a DHPP (final de linha da Pituba), para conferir, se, de fato, seriam os mesmos criminosos da reportagem e, neste caso, se recuperaria o celular da minha esposa.
O prédio do DHPP me pareceu muito bem organizado e limpo. Todos os funcionários, desde a portaria, foram extremamente educados e céleres. Rapidamente fui encaminhado ao setor que abrigava os celulares roubados e, rapidamente também, o funcionário – após perguntar marca e modelo do aparelho – encontrou o celular da minha companheira. Mostrei a Nota Fiscal, liguei o aparelho, inseri a senha e o mesmo logo foi destravado. O educado funcionário – que infelizmente não guardei o nome – e encaminhou, então, para o Delegado Marcelo Sansão. Fiquei completamente estarrecido com a figura serena e educada que compõe este agente da lei. Extremamente atencioso, de fala baixa e correta, tivemos algumas conversas amenas enquanto ele tomava o meu depoimento e realizava a liberação do aparelho. Lamentavelmente, num determinado ponto, ele me mostrou a foto de um garoto baleado e morto, perguntando, em seguida, se aquele seria um dos dois que praticara o assalto e a tentativa de sequestro. Mais lamentavelmente ainda, confirmei que era justamente o que estava ao meu lado. Ele tinha 16 anos.
Conversamos, então, como se era de esperar – uma vez que o assunto ainda está em voga –, sobre a redução da maioridade penal. Eu mantive firme, a minha convicção de ser contrário à mesma. Disse ainda, que já fui um cara mais duro, mas nos últimos tempos havia adquirido mais sensibilidade. Já Marcelo, confessou que, nessas circunstâncias em que hoje vivemos, ele se posicionava a favor e que, ao contrário da minha pessoa, ele passara por um processo inverso: antes era mais sensível, mas estava ficando cada vez mais endurecido. Calculei que tínhamos mais ou menos a mesma idade (eu farei 39 anos no final de 2015 e ele deve estar na casa dos quarenta). Sempre em tom leve a amistoso, escutamos os pontos um do outro. Em nenhum momento um tentou convencer o outro do contrário. Eu trabalho com cultura, ele, com segurança pública. Eu, acho que ninguém pode ser considerado irrecuperável – quanto mais um garoto de 16 anos –, a não ser que vá para a prisão e conviva com outros criminosos da pesada. Ele acha que a sociedade também não recupera essas pessoas e que, inclusive, ele costuma conversar muito com menores apreendidos para que eles saiam do mundo do crime, sobretudo quando estão sendo liberados, mas que ainda não encontrou resultados positivos e que, na maioria esmagadora das vezes, eles terminam cometendo outros crimes e muitas vezes morrendo, ao trocar tiros com a polícia ou outros marginais.
Agradeci ao delegado, que gentilmente falou que não estava cumprindo nada além das suas obrigações e nos despedimos.
Continuo com as minhas convicções. Certamente o delegado continua com as convicções dele. Continuarei também a frequentar a Ceasinha, pois gosto de cozinhar e lá ainda encontro para comprar, num bom ambiente, os ingredientes que preciso para fazê-lo. Aconselho aos frequentadores que, após lerem este relato, não deixem de frequentar também. Isto poderia acontecer em quase qualquer local de Salvador. Aos policiais lotados naquele posto, peço mais atenção e presença, para evitar que outro fato lamentável como o nosso volte a acontecer.
Quanto à minha reação, não aconselho qualquer pessoa a repeti-la. Agi daquela forma sem pensar direito, mas não sei se, em outras circunstâncias, os bandidos não teriam disparado. “Foi a atitude certa, porque deu certo. Também, se vocês estivessem no carro, em poder deles, não sei se sairiam vivos”, disse o delegado Marcelo Sansão, mostrando a foto do carro em que foram pegos os criminosos, com vários buracos feitos pelos projéteis durante a troca de tiros.
À polícia civil – em especial aos agentes que realizaram a ação do meu caso e ao delegado Sansão – só posso parabenizar e agradecer. Tenho certeza que a morte do menor foi um fato inevitável. E, apesar dos pesares, compadeço-me da dor dos seus parentes, neste difícil momento de perda. Lamento profundamente que crianças e adolescentes, muitas vezes por falta de oportunidades, enveredem por esse tortuoso e fatal caminho da criminalidade. Eles precisam de saúde e educação, não de prisões.