Artigo - Lord Cochrane reclamou da frota precária que recebeu de D.Pedro I

Por Biaggio Talento*

Passagens pouco conhecidas da Guerra da Independência da Bahia, mostram que a imagem de uma luta épica das forças libertadoras brasileiras que empreenderam o cerco a Salvador fica um pouco turvada quando se examina, com lentes de aumento, certos episódios da contenda. Um exemplo interessante dos problemas e das fragilidades das tropas que venceram a guerra, está na pesquisa feita pelo grande historiador Braz do Amaral (1862-1949) na correspondência de um dos heróis do Dois de Julho, o conde Dundonald, mais conhecido como Lord Cochrane, o almirante inglês enviado por D..Pedro I para empreender o cerco pelo mar à cidade de Salvador, ocupada pelos portugueses. O resultado da pesquisa está na crônica “1823”, do livro Recordações Históricas, de Amaral, relançado pela Assembleia Legislativa em 2007.

Uma carta, obtida pelo autor, enviada por Cochrane ao ministro José Bonifácio de Andrade e Silva, se queixando das condições da frota que comandava, passa a ideia que o governo imperial entregou ao almirante uma espécie de “armada Brancaleone” completamente desequipada e em frangalhos. Os problemas começavam com a composição da tripulação dos 13 navios formada por mercenários:160 ingleses e norte-americanos, 130 ex-escravos e o restante marinheiros portugueses, esses últimos sem qualquer disposição para lutar contra seus patrícios que dominavam Salvador. Todos interessados apenas no soldo.

Dos 13 navios, apenas dois encontravam-se em condições (ruins) de combate. O melhor dos dois, a nau capitânia d. Pedro I, comandada por Cochrane apresentava situação de penúria, descrita pelo almirante na dita carta, da qual se destaca os seguintes trechos (ou queixas):

Os cartuchos que temos são incapazes de servir e correm os artilheiros o perigo de perder os braços no trabalho de carregarem as peças. As velas estão todas podres, havendo as aragens ligeiras e frouxas, em nossa vinda para aqui, esfrangalhando um jogo delas, e as outras rasgando-se com a mais leve brisa de vento. O reparo do morteiro que recebi escangalhou-se ao primeiro tiro, estando todo podre. As espoletas para as bombas são feitas de tão miserável composição que não pegam fogo”, descreveu. As maiores reclamações, no entanto, reservou para os tripulantes. Conforme Cochrane “os soldados de marinha nem sabem o exercício de peça nem de armas curtas, nem de espada, e todavia tem de si tão alta opinião que nem ajudam a lavar o convés, de sorte que, sendo inúteis como soldados de marinha são uma carga aos marinheiros, que deviam estar aprendendo seu oficio no alto dos mastros.

Esse relatório foi feito após a primeira escaramuça entre as frotas brasileira e portuguesa em 4 de maio na Baia de Todos os Santos. Braz do Amaral informa que apenas o navio português Princesa Real se dispôs a guerrear, trocando tiros com a nau d. Pedro I. Ao perceber a superioridade do inimigo, Cochrane bateu em retirada para a região da Ilha de Tinharé (Morro de São Paulo). Os portugueses resolveram não perseguir os inimigos. Se o fizessem, Amaral não tem dúvidas que liquidaria a frota brasileira sem dificuldades, e talvez a data da vitória do Dois de Julho teria que ser adiada. Numa outra oportunidade correu perigo a esquadra de Cochrane. Informantes avisaram no dia 9 de junho ao almirante inglês, que os portugueses haviam planejado atacar Morro de São Paulo com seus 13 navios e tropas de desembarque bem equipadas. Se a ilha, estratégica no cerco a Salvador, fosse tomada, o resultado da guerra poderia ser outra.

Contudo, por algum motivo não explicado o ataque não ocorreu. “Foi uma outra excelente oportunidade perdida e são tantas as faltas, tantos os infortúnios da armada portuguesa que a pessoa dedicada a estudar os fatos e escrupulosa em pronunciar sente-se em perplexidade”, escreveu Braz do Amaral ao comentar os erros das tropas comandadas pelo general Madeira de Mello. Esses erros acabaram sendo fundamentais para a vitória do exército libertador brasileiro. Quando finalmente a frota portuguesa decidiu deixar o porto de Salvador, foi para a retirada dos portugueses, no dia Dois de Julho.

*Biaggio Talento
é jornalista e escritor, autor dos livros A Sucursal e Basílicas &Capelinhas.

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4 Comentários
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  1. Depois me perguntem de onde herdamos a competência!!!!
    kkkkkkkkkk

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  2. Huuummmm... então é por isso que nossas forças armadas são uma sucata até hoje.
    Aprendemos historicamente a aceitar e adiquirir sucata e tecnologia ultrapassadas.
    Sim...nós podemos.

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  3. “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!”
    Ruy Barbosa

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